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Sinopse
Em Uma Mulher Sem Filtro, Bia está cercada por um marido encostado, um enteado pedante, um chefe machista, uma irmã autocentrada e uma vizinha que usurpa suas noites de sono com festas frequentes. Por isso, precisa empenhar muita energia para manter o controle. Mas a chegada de uma jovem influencer que assume uma posição superior à sua na revista onde trabalha é a gota d'água. Comédia.
Crítica
Uma Mulher Sem Filtro não é a primeira, nem a segunda adaptação de um mesmo texto para o cinema. Pode-se apontar como original o chileno Sin Filtro (2016), sendo que entre os dois houve ainda o mexicano Una Mujer Sin Filtro (2018). Se estes dois permanecem inéditos no circuito comercial brasileiro, o espectador nacional, portanto, deverá encontrar uma relação direta com um sucesso mais antigo, mas amplamente conhecido: O Mentiroso (1997), estrelado por Jim Carrey. Sim, pois a premissa de todas essas produções aqui citadas é a mesma: uma pessoa começa a passar mal, até que, como que por uma interferência mágica – o desejo do filho, um médico chinês adepto à terapias não convencionais, uma massagista erótica – ela descobre que a solução dos seus problemas é simplesmente falar a verdade, por mais nua e crua – e desprovida de disfarces sociais – ela se revele. A mudança de sexo do protagonista, vivida nas versões latinas por mulheres, dá espaço para um debate sobre o espaço do feminino na sociedade e a necessidade de se encarar discursos feministas além do ativismo gratuito, mas no que suas pautas possuem de mais urgente e profundo. Uma alteração de ponto de vista que se mostra adequada aos tempos atuais, mas aqui abraçada sem as nuances necessárias para ir além dos já convertidos.
Coube à Tati Bernardi, autora de sucessos como Meu Passado Me Condena: O Filme (2013) e Depois a Louca sou Eu (2019), ficar responsável pela transposição do texto para um contexto local. O problema está no fato dela ter se ocupado demais das personagens femininas – que, afinal, estão no centro do discurso – e relegar os masculinos a não mais do que mero estereótipos, o que dificulta a absorção do todo pela evidente fragilidade do contexto. Como um lado pode se mostrar forte, se o outro está nitidamente mal representado, visivelmente merecedor de desprezo e ataques de diversas frontes? A tal superação apontada pela protagonista é menos uma jornada de descoberta e autoconhecimento e mais um abrir de olhos, frente aos absurdos aos quais ela se sujeitava pacificamente dia após dia. A Bia de Fabiula Nascimento tem o mérito de ser a primeira protagonista na carreira da atriz, uma coadjuvante de talento comprovado que há tempos vinha merecendo maior destaque. Mas além disso há pouco o que comemorar, pois ao seu redor há apenas clichês, enfraquecendo um debate que justificaria uma insuspeita profundidade (visto que se trata de uma comédia com ambições comerciais).
Bia é uma jornalista cansada. O marido é um artista frustrado que vive esperando pela “inspiração certa”, e ainda levou o filho mimado de um relacionamento anterior para morar com eles. É ela, portanto, que precisa cuidar dos dois, provendo e mantendo a casa. No trabalho, tem como chefe um abusador de fala grossa e atos não confiáveis, que não cumpre o que promete e exige mais do que está disposto a dar em troca. Como colega – e melhor amigo, e ex-namorado, e paixão mal resolvida – tem aquele que poderia ser um alívio nesse cenário, mas se mostra tóxico nas entrelinhas, sem nunca assumir seu próprio caráter machista. O outro lado dessa guerra dos sexos não é mais leve. Uma influenciadora digital é contratada para a mesma revista eletrônica onde Bia trabalha, que já chega ditando ordens e exibindo uma sabedoria baseada mais em cliques e em seguidores do que em reportagens e abordagens editoriais. Por fim, a irmã se preocupa mais com os seus animais de estimação do que com a família, levando-a a assumir compromissos em nome de laços sanguíneos, sem que esse intercâmbio se confirme além da condição genética. Quando Bia conhece a Deusa Xana (Polly Marinho, mal aproveitada – o filme poderia muito bem ser sobre ela), é como se as máscaras que até então a impediam de ser quem de fato é caíssem por completo. E nem todo mundo gosta quando a verdade é dita sem rodeios.
Por mais que Uma Mulher Sem Filtro tente se mostrar firme na defesa desse empoderamento feminino, não dá para ignorar o fato de ser dirigido por um homem (Arthur Fontes, cujo último longa havia sido o documentário A Família Braz: Dois Tempos, 2010, ou seja, quinze anos atrás) a partir de uma ideia também assinada por um membro do sexo masculino (Nicolás López, que entre outras coisas escreveu o roteiro do problemático Bata Antes de Entrar, 2015, com Keanu Reeves e Ana de Armas). Fabiula Nascimento aproveita a oportunidade que lhe é dada com afinco e se confirma como o principal motivo para esse filme existir, defendendo com garra as complexidades de uma amiga, profissional, esposa, amante, irmã e até mesmo mãe (de gato, de enteado) que vão além da superfície, assumindo erros e buscando soluções. A inexistência de um único homem minimamente razoável, no entanto, prejudica o debate, como se elas só pudessem se mostrar válidas frentes a parceiros obviamente perniciosos. A discussão merece – e pode – ir além desse viés. Mas, infelizmente, não foi dessa vez.


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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 5 |
Francisco Carbone | 3 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 3.3 |
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