Crítica
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Sinopse
Iya e Masha são duas jovens russas em busca de esperança em meios aos destroços da Segunda Guerra Mundial. O cerco de Leningrado, um dos mais brutais da História, chegou ao fim, mas reconstruir suas vidas permanece uma situação cercada de morte e trauma. Bem e mal são concentos, então, relativizados.
Crítica
A vários personagens de Uma Mulher Alta a morte é uma alternativa à desgraça cotidiana aparentemente irrefreável. Pode soar drástico quando um soldado feito tetraplégico pela Segunda Guerra Mundial prefere partir a passar o resto dos dias sendo um fardo para a sua paupérrima família. Nesse sentido, a resolutividade da esposa, igualmente na direção da eutanásia, poderia soar cruel e insensível, não fosse a habilidade do cineasta Kantemir Balagov na construção de um mundo exasperante, no qual a finitude não parece uma possibilidade tão estapafúrdia assim. Indo de encontro aos postulados de um cinema mais idealizado, em que valorizados são aqueles bravos o suficiente para resistir até às mais aviltantes circunstâncias, esse filme não pretende romantizar o sofrimento e a resiliência, mas observar pessoas sendo espremidas até o limite do suportável. O assassinato de uma criança entra também nesse balaio por ser tão bruto quanto o entorno.
A protagonista de Uma Mulher Alta é Iya (Viktoria Miroshnichenko, de desempenho notável) ex-combatente que cuida do filho da colega enquanto trabalha num hospital para veteranos. As cenas dela confortando física e emocionalmente os internos, no limiar de suas restrições, contrastam com a aspereza que inevitavelmente sobressai a qualquer nesga de humanidade e beleza no horizonte. Tudo se passa numa sucateada Leningrado imediatamente após a Guerra. A ocasião de proporções globais pode ser vista impressa não apenas nos cenários carcomidos, aos frangalhos, mas também no endurecimento da gente que precisou assim o ser simplesmente a fim de sobreviver com um pouco de dignidade aos horrores. Masha (Vasilisa Perelygina, também apresentando um trabalho excepcional, ligeiramente mais visceral que o da colega) retorna querendo ver o menino e desejando interações carnais que a façam esquecer as agruras das casernas e das trincheiras.
Iya é taciturna e tímida, enquanto Masha é expansiva. Entretanto, seus comportamentos podem ser creditados, em semelhante medida, aos efeitos da batalha. Esse vínculo é constantemente atravessado por infortúnios, tensões e partículas que não o deixam ser facilmente identificável. Kantemir Balagov encena com minúcia o carinho que em alguns instantes assume uma faceta agressiva. Embora a mulher alta do título tenha cometido um ato espúrio diante dos nossos olhos, que seja absolutamente dramática a sua decisão de abreviar a angústia precoce do menino que lhe puxou mesmo sem a consanguinidade, não há espaços para julga-la de maneira ordinária e reta. A brutalidade está na dinâmica adulterada pelos eventos históricos que não permitem medir pelas réguas pura e simplesmente da moral e/ou da ética. Sente-se o desespero estampado nos semblantes, efeito que pode ser imputado ao ótimo elenco, bem como à coesão que a direção promove.
Uma Mulher Alta é um filme árido, formalmente endurecido, no qual a secura emoldura o meio em que Iya e Masha tentam perseverar. Há a dívida em curso, compromisso permitido pela violência, e que gera ações igualmente selvagens e degradantes. O corpo, sobretudo o sexo que o demarca, pode servir tanto para aliviar as aflições, com nesgas de afeto surgindo em meio a tanta penúria, ou a fim de expiar uma dor incomensurável oriunda dos pecados cometidos em nome da desesperança limítrofe. Volta e meia as cores verde e vermelha quebram a onipotência dos matizes acinzentados, criando uma disparidade visual sintomática da vontade de observar essas personagens por prismas diversos. Determinadas cenas, como a brincadeira dos doentes com o menino encabulado, são capturadas a partir da noção de que o apuro plástico pode servir para sinalizar a tristeza asfixiante nessa tentativa de mitigar a agonia. Separar bem e mal é relativo em tempos de guerra.
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