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Sinopse

Para concorrer na feira de ciências de sua escola, um menino-prodígio cria um dispositivo para comunicar-se telepaticamente com seu cão. Da união dessas perspectivas nasce uma força utilizada para vencer obstáculos.

Crítica

A natureza cíclica das tendências cinematográficas nos ajuda a compreender melhor a profusão de filmes de cachorro lançados recentemente. Ancorados numa tradição antiga que remonta ao sucesso da cadela Lassie – Elizabeth Taylor chegou a coestrelar um dos longas da rough collie (Lassie: A Força do Coração) –, surgiram vários peludos amplamente reconhecidos, vide os exemplares com Benji, K-9, Beethoven, Marley e, mais recentemente, toda uma leva de animais umbilicalmente ligados a uma lógica inefável que envolve vidas passadas, religiosidades e afins. Henry (voz de Todd Stashwick), apesar de ser o narrador de quatro patas, não é exatamente o elemento mais importante de Uma Mente Canina. A comunicação com o jovem Oliver (Gabriel Bateman) desempenha superficialmente a função central nesse longa-metragem carente de foco. São tantas engrenagens, subtramas e consequências mal enjambradas que fica difícil saber exatamente o que o roteirista e diretor Gil Junger queria para além de construir um percurso banal, cheio de respostas fáceis aos imbróglios.

Oliver é um menino-prodígio prestes a apresentar seu dispositivo para poder decodificar pensamentos. Todavia, o ambiente doméstico é atravessado por constantes discussões entre o pai e a mãe, vividos, respectivamente, por Josh Duhamel e Megan Fox. O experimento adiante bem-sucedido com a ajuda de um amigo chinês corrobora a acumulação. Sabe aquelas pessoas que juntam cacarecos, coisas aparentemente sem importância imediata e, lá adiante, percebem estar cercadas de quinquilharias sem relevância, ainda com o ônus de mal aproveitarem o espaço necessário para comportar tanta bugiganga inútil? Pois, Uma Mente Canina – lançado em algumas plataformas com o título Pense como Um Cão – é esse acumulador obsessivo versão filme. Junte às peças supracitadas a preocupação do governo norte-americano com a invasão de um satélite de altíssima importância (por dois moleques) e os movimentos inescrupulosos do magnata da tecnologia que claramente desempenha o papel do vilão megalomaníaco. É um aglomerado sem consistência.

Na medida em que o enredo de Uma Mente Canina progride, fica difícil estabelecer uma ordem de prioridades. As aspirações amorosas do menino que testemunha a ruína familiar têm atenção similar a das aventuras com o pet falante, a das dificuldades para declarar-se à menina, a da necessidade de escapar do Steve Jobs de araque que corteja com traquitanas de última geração e a da missão de evitar o divórcio. Haja fôlego para sair de uma perspectiva e entrar noutra sem sentir-se cansado e pouco recompensado. Nem a tática de reduzir o mundo à simplicidade canina, assim emulando uma visão pretensamente mais adequada para viver sem complicações, é utilizada a contento. Aliás, esse expediente soa quase como um pedido de desculpas prévio, afinal as complexidades inerentes ao que é apresentado são bastante amenizadas. Crises globais, desentendimentos matrimoniais, ameaças de gente poderosa, tudo acaba se esvaindo nessa aventura inofensiva, cujos maiores esforços estão direcionados para fazer valer a coprodução com a China. Do side kick descartável às visitas esporádicas ao Oriente, passando pelas várias menções, o protocolo fica escancarado.

Afora toda essa coleção heterogênea de situações se sucedendo leviana e apressadamente, Uma Mente Canina recorre frequentemente ao humor de gosto duvidoso, vide a cena do cachorro peidando freneticamente para empestear o local colocado à venda pelos pais em litígio. Outro indício desse desafinar tolo da comédia é o diálogo bizarro entre Oliver e Henry, com questionamentos acerca de “cheirar traseiros” desembocando na defesa disso como uma forma inigualável de conhecer outrem (?). Típico “feito para toda a família”, com crises e conflitos apenas epidérmicos e resoluções ao sabor de várias forçadas de barra, o filme dirigido por Gil Junger vai se apagando tão logo subam os créditos finais. Repousa brevemente na memória como outro exemplar entrecortado pela antropomorfização de um bichinho de estimação e incomoda por, somado a esse caráter genérico, dispor-se a incluir indiscriminadamente peças num conjunto logo saturado de componentes. Navegando pela calmaria das águas conhecidas, o realizador apresenta algo desprovido de personalidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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