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Sinopse

Dois homens estão numa viagem de negócios, vendendo artefatos engraçados. Eles mostram uma percepção sobre o mundo caótico do presente, o passado e o futuro, repletos de sonhos e fantasias. Vidas diversas e circunstâncias variadas que desfilam à nossa frente, nos lembrando ambas da grandeza e da vulnerabilidade do homem.

Crítica

Há algo de muito estranho em Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência – e isso vai além do inesperado batismo nacional, que se trata, aliás, de uma tradução quase fiel do original sueco. Construído no formato de esquetes cômicas ligeiras e aparentemente sem uma trama definida, ele vai além do mero exercício filosófico conferido ao pássaro do título para se configurar como um poderoso exercício de crítica e resignação. Afinal, somos o que vivemos todos os dias, em um somatório de nossas ações e vivências, ou produto do que sonhamos quando desacordados, num processo de eliminação das barreiras entre uma fronteira e outra? Às vezes, é mais difícil distinguir em qual lado da realidade estamos do que de fato agir tal como se espera diante cada situação.

Ao se apresentar como “parte final de uma Trilogia sobre o Ser Humano”, Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência provoca o espectador a se posicionar diante o desenrolar de sua narrativa mais ou menos como um praticamente da viciante arte de observação de pássaros – mais uma analogia com o inusitado nome do longa. Aqueles que já praticaram essa atividade, sabem: por mais entediante e cansativa que ela possa ser numa primeira impressão, essa impressão pode ser desfeita num piscar de olhar ao nos depararmos com algo raro e inesperado, que acaba recompensado toda a espera anterior. Mais ou menos como nos comportamos frente aos 39 contos do longa, todos de uma forma ou de outra envoltos ao “absurdo da vida”.

O tom inicial é o da comicidade, ainda que os primeiros créditos anunciem ‘3 encontros com a morte’: um ataque no coração ao abrir a garrafa de vinho antes do jantar, a idosa que insistem em se ater a seus pertences para frustrar a ambição interesseira dos filhos, o turista que morre logo após pagar pelo jantar deixando como maior dúvida o que fazer com seu sanduíche de camarão e o chope que o acompanha. Os atores, como se poderia esperar de tipos do norte europeu, são frios e distantes, com pouco calor humano para os agrupá-los. Tal sensação é reforçada pela maquiagem carregada, que os deixa exageradamente pálidos – falta-lhes vida. E se por um lado os vemos quase mortos, o que estas vidas tem a dizer a quem os observa?

O cômico carregado de humor negro, com o suceder dos episódios, aos poucos vai abrindo espaço ao trágico. Como resumo, mais do que exaspero ou tristeza, tem-se melancolia. Muito disso se reflete da trama condutora da maioria das pequenas histórias: dois vendedores de ‘novidades’ – objetos como dentaduras de vampiros ou sacos de risadas – que são completamente inaptos enquanto profissionais, e suas desventuras diárias, sem conseguirem se livrar das mercadorias que carregam, ao mesmo tempo em que fogem dos próprios credores e afogam suas mágoas ou no bar mais próximo, ou em conversas conciliatórias no meio da noite. Estes dois despreparados ainda assim vão em frente, contra todas as expectativas, e por mais inexplicável que possa ser, permanecem juntos. Eventos paralelos, como a professora de dança atraída pelo aluno ou o rei rumo à batalha, alternam o interesse do espectador com outros aparentemente desconexos, como crianças fazendo bolhas de sabão na janela, um casal deitado à beira da praia ou o homem que quer apenas fumar um cigarro mirando o horizonte. Quem disse que tudo precisa fazer sentido?

Muitas vezes, Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência reserva seu interesse em eventos dispostos num segundo plano, evidenciando que nem sempre o que mais chama atenção é, também, o mais relevante. Uma conclusão reforçada com o díptico sobre a colonização africana, preconceito racial e a inércia da burguesia frente às barbáries colonizadoras. Neste ponto, já quase no encerramento, recebemos um choque de realidade que serve apenas para alertar a audiência a respeito de duas questões fundamentais: “é certo usar as pessoas para seu próprio prazer?” e “se não temos certeza do dia de hoje, qual a razão disso tudo?”. A rigidez estética – cada pequena narrativa é construída com câmera fixa e diálogos concisos – é um reflexo da eficiência do que está aqui para ser transmitido, verificado no estímulo à reflexão. Afinal, pensar antes de agir é o passo mais importante de todos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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