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Sinopse

Crítica

O cigarro é um elemento quase intrínseco ao noir. Bastante comum que detetives particulares, bandidos e femmes fatales fumem em cena, denotando certo charme e perigo. Em Um Noir dos Balcãs, a relação com a nicotina é elevada à imprescindibilidade. Do ponto de vista prático, cada sequência do longa-metragem do cineasta Drazen Kuljanin começa quando alguém acende um cigarro. Mas, a ligação com o componente é mais profunda, vide as inserções de propagandas antigas, com animações, figuras conhecidas e até médicos recomendando tragadas para relaxar. Embora tome boa parte da narrativa, tal demonstração é infrutífera, não configurando algo para além da mera curiosidade e da menção a algo familiar ao gênero cinematográfico aludido. Aliás, o filme é uma consecução de sinais pseudo-estilosos e dramaticamente pouco potentes. Quanto à trama, ela dá conta de um duro processo de luto e de uma confusa disposição à vingança.

Nina (Disa Östrand) e Oskar (Johannes Kuhnke) perderam sua filha há cinco anos. Na verdade, nada se sabe do paradeiro dela desde que sumiu quando o trio passava férias em Montenegro. A desesperança gerada pela ausência de notícias acarreta uma angústia quase insuportável nos pais. Entretanto, a mulher demonstra uma sanha sanguinolenta, entremeada por crises de depressão e ansiedade. Ela deseja colocar em prática um plano de desforra e não medirá esforços para ver os possíveis captores/assassinos experimentarem sofrimento equivalente ao seu. Para tornar singular esse enredo marcado por um itinerário bastante visto nas telonas em outras produções, o cineasta cria um percurso repleto de traços peculiares, como a imagem que oscila de acordo com sons, principalmente os dos isqueiros prestes a queimarem as pontas do vício compartilhado, ou a tortuosidade da imagem, que surge a fim de denotar o estado de espírito quebradiço da ex-esposa.

Um Noir Nos Balcãs ostenta essa construção narrativa como se, por si, ela tornasse cativante uma derrocada rumo à danação. Gradativamente, porém, o todo soa vazio, exatamente por ancorar-se apenas no curioso encadeamento dos procedimentos, esquecendo-se de substanciar personagens, por exemplo. Nina é uma casca destituída de conteúdo. Ela permanece com expressões de raiva durante o filme inteiro, não oferecendo quaisquer diversidades emocionais que poderiam fazer seus atos mais convincentes. O marido, Oskar, é um mero penduricalho, cuja participação é instrumentalizada somente como um amparo de quem arquiteta a vendeta perversa. Já o policial Nikola (Srdjan Grahovac), único que não desistiu do caso depois de tanto tempo, é um arremedo de autoridade, cuja dubiedade moral não é suficiente para fazê-lo representante da tradição da claudicante legalidade do noir. Sem o clima solene, a produção assumiria contornos paródicos.

Na medida em que avança, Um Noir dos Balcãs deixa exposta sua fragilidade, mas, sobretudo, a noção equivocada de que a linguagem supostamente cheia de tiques pode sustentar o conjunto. Drazen Kuljanin desenha um caminho lacunar, recheado de buracos que não funcionam como ampliadores da curiosidade do espectador, pelo contrário, soando recurso canhestro para evitar a apresentação de eventos capitais. No que tange ao desempenho do elenco, igualmente há pouco a ser observado, pois atores e atrizes se limitam a comunicar os momentos, sem um senso de unidade. As intrusões de imagens descoladas do contexto das cenas, apresentadas como mensagens subliminares, são, como boa parte das ferramentas aqui, uma curiosidade sem implicações. Não há uma preocupação evidente com as contradições ou mesmo com as consequências morais de atitudes absolutamente controversas. Em suma, um esforço estético que esvazia as demais camadas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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