Crítica
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Sinopse
Crítica
O tema é sério, e também urgente. Talvez por isso mesmo, pela falta da devida consideração que tem recebido, seja na imprensa, entre os diretamente afetados ou mesmo pelos órgãos responsáveis, uma abordagem mais leve, quase trivial, como a que se vê em Tudo Sob Descontrole, possa se mostrar efetiva no sentido de chamar atenção a esse importante debate, deixando de lado discursos enfadonhos e polêmicas que não levam a lugar algum. Louise, a protagonista vivida por Marina Foïs, é uma enfermeira sobrecarregada, que mal consegue cuidar da sua própria vida quando está longe do hospital. Em tempos pós-pandemia do Covid-19 – que parece ter ficado para trás, mas segue presente em muitos lares, com diferentes variações de intensidade – esse é um personagem que muitos conhecem e já com ele podem ter se deparado nas mais diversas situações, seja num momento de necessidade, ou mesmo em um parente, amigo, vizinho ou conhecido. Por isso, a familiaridade que a drama desperta de imediato não pode ser descartada. É de se lamentar, no entanto, que esse ganho inicial seja gradualmente desperdiçado pela relação inverossímil que aos poucos é estabelecida entre ela e o ladrão interpretado pelo também talentoso Benjamin Voisin. Aliás, é pelos dois que a mistura não desanda.
Tudo Sob Descontrole é o trabalho de estreia de Didier Barcelo no formato, após ter se dedicado, até então, somente ao exercício de curtas-metragens. Além da direção, assina ainda o roteiro – esse ao lado de Marie Deshaires, conhecida por uma carreira de mais de dez anos envolvida com projetos para a televisão, aqui também dando seu primeiro passo em longas. Os dois meio que dividem o protagonismo de sua história entre essas duas figuras, que lutam do início ao fim pela disputa do olhar do espectador. A impressão é que, para cada revelação de um, o outro se verá necessariamente na obrigação de acrescentar algo ainda mais inesperado, pois somente assim a balança entre eles se verá, novamente, equilibrada. Ao invés de somarem, cada um puxa para um lado distinto, mostrando uma falta de sintonia que torna a narrativa, se não fluida, ao menos propensa a contornos que pouco acrescentam rumo a um destino de fácil antecipação.
Este é, portanto, um filme que vale mais pelo durante do que pelo fim. Louise está cansada, há muito trocou o dia pela noite em plantões intermináveis e nem mesmo lembra direito de suas obrigações cotidianas. Como estacionar seu carro fora da área proibida próxima de sua casa. Numa dessas emergências que se vê levada a enfrentar para evitar mais uma multa, um bloqueio irá se manifestar: ela não mais consegue sair de dentro do automóvel que, até o dia anterior, era apenas seu meio de locomoção – e que, agora, aos poucos irá ganhando ares de casulo, uma maneira de defesa contra um mundo exterior que lhe é agressivo e doente. Ciente de que aquilo não é normal, tenta buscar ajuda, mas é difícil não ser motivo de chacota quando tudo o que consegue alegar é: “não consigo sair daqui”, ainda mais se abrir a porta parece ser tão fácil. Mais do que uma questão mecânica, está no psicológico a força que a impede de ir adiante, de se mover e sair da mais incômoda das situações: um sequestro involuntário.
Sim, pois é isso o que acaba acontecendo quando Paul (Voisin, exalando uma sexualidade que, infelizmente, a trama tende a esconder) invade seu carro, pensando estar abandonado, e parte com ele – levando-a junto, mesmo sem perceber, pois ela estava escondida no banco traseiro. Como esse quadro não teria como se sustentar por muito tempo, logo os dois estarão frente a frente, e assim como outros ele também terá dificuldade em acreditar no que ela afirma. Porém, o que se tem aqui é um road movie entre dois estranhos, e, como tal, algumas regras precisarão ser seguidas. Seria mais fácil para ele simplesmente deixá-la e buscar um outro veículo, ou, por outro lado, usar de sua força para arrancá-la dali e abandoná-la na beira de uma estrada qualquer. Se os dois permanecem juntos, é mais por uma imposição narrativa e menos por uma questão de lógica. Esse alargamento da credibilidade joga contra a pré-disposição do público em desenvolver algum tipo de empatia em relação a estes tipos que se mostram como exceções, mas podem estar muito mais ao centro do espectro social do que uma rápida impressão poderia apontar.
Paul também tem suas motivações – dramas familiares do passado vão aos poucos sendo revelados, e uma vez que são expostos por um jovem bonito e atraente, será fácil perdoar suas transgressões – e elas são usadas para aproximá-lo do pesadelo enfrentado por Louise. Essa experiência radical poderia levá-los a desenvolver uma conexão sólida. Porém, a diferença de idade – e o conservadorismo atual – impedirá esse mergulho. Mas não um muito mais literal, encaminhando a um desfecho como o visto no clássico Thelma & Louise (1991). Mas falta a Barcelo a mesma coragem de Ridley Scott. Assim, Marina Foïs e Benjamin Voisin abraçam seus personagem sem julgamentos ou restrições, tornando-os maiores do que o conjunto que os envolve e os caminhos que percorrem. Se a jornada que lideram termina por levar a um lugar-comum sem maiores revelações, perigosamente perto de uma lição de autoajuda, ao menos esse é um processo que se dará ao lado de dois astros capazes de momentos de intenso brilho. É por eles, e pelo entendimento que transmitem a partir de criaturas tão quebradas, que Tudo Sob Descontrole, enfim, acaba por se elevar de uma mediocridade da qual com tanto empenho busca se envolver.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Celso Sabadin | 6 |
Francisco Carbone | 6 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
Miguel Barbieri | 7 |
MÉDIA | 6.2 |
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