Crítica

O cineasta David O. Russell parece seguir um padrão em sua filmografia. Tanto os ganhadores do Oscar O Vencedor (2010) e O Lado Bom da Vida (2012) quanto o menos badalado Huckabees: A Vida é uma Comédia (2004) ou, ainda, o intenso Três Reis (1999) tem como pano de fundo diferentes situações, seja a temática do boxe e da bipolaridade dos dois primeiros quanto a família disfuncional ou a guerra. Porém, o eixo que une estas produções sempre são as pessoas e as interações que os personagens tem, suas relações. Portanto, seu novo longa, Trapaça, não poderia ser diferente, com o acréscimo de uma direção mais madura.

Com um dream team de indicados e vencedores do Oscar que poucos diretores conseguiriam unir, o longa é focado em Irving Rosenfeld (Christian Bale), um estelionatário profissional, e sua amante e sócia, Sydney Prosser (Amy Adams). Pegos em uma cilada pelo agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper), ambos são forçados a participar de um plano que pretende capturar mafiosos e políticos corruptos, entre eles o candidato Carmine Polito (Jeremy Renner). A única pessoa que pode estragar os planos do trio é a esposa de Irving, Rosalyn (Jennifer Lawrence), que não aceita ser abandonada pelo marido.

O roteiro de Trapaça, talvez um dos mais inteligentes nos últimos anos dentro de seu gênero, não perde muito tempo com detalhes de como as transações funcionam. O que não quer dizer que o espectador possa ficar confuso sobre como o crime do colarinho branco ocorre, muito pelo contrário. A questão é que O. Russell foca a trajetória na mudança de atitude e, quiçás, até de personalidade de seus personagens. Principalmente no que se refere às mulheres. Sydney e Rosalyn, cada uma à sua maneira, são os fios condutores da narrativa. E o fato de suas intérpretes entrarem de cabeça nas personagens ajuda ainda mais.

Amy Adams, sempre a coadjuvante preferida de 90% dos filmes que estrela, brilha aqui com uma Sydney movida pelo amor traiçoeiro a Irving, uma mulher guiada pela impulsividade e pelos sentimentos, mas que articula de forma meticulosa cada passo para que seus golpes (em vários âmbitos) deem certo. Suas cenas são sempre intensas e o olhar ambíguo de Adams reflete quase que uma Capitu em versão disco americana.

Jennifer Lawrence, vencedora do Oscar no ano passado por O Lado Bom da Vida (2012), também de O. Russell, aparece menos em tela do que a colega. Por sinal, ambas só dividem uma cena com diálogos explosivos. Mas ela também, tão intensa quanto, porém de outra forma, acaba roubando a cena, especialmente quando ao lado do personagem de Christian Bale. Não à toa está, novamente, indicada a vários prêmios desta temporada.

Bale, com alguns quilos a mais, Copper, com cabelos encaracolados, e Renner, contido, fecham o quinteto de protagonistas desta trama, que tem uma direção casada de forma perfeita com o roteiro. Em uma cena, por exemplo, vemos em paralelo a reunião de Irving com Carmine e uma festa ao som de I Feel Love, de Diana Ross, onde Sydney e Richie parecem engatar um caso amoroso. A câmera está, assim digamos, bêbada e sob o efeito de drogas, bem como seus personagens, fazendo o espectador participar ativamente daquele ambiente.

Trapaça foi uma das últimas estreias de 2013 nos cinemas norte-americanos e tem arrancado elogios (e uma boa bilheteria) por onde passa. Méritos não faltam para o filme, mesmo que às vezes ele pareça um tanto quanto superestimado. Ainda assim, é, definitivamente, um dos melhores trabalhos de O. Russell, assim como de seu elenco. E só por este motivo já merece os aplausos que tem recebido.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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