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Sinopse

Will e Eden são atropelados pela tragédia da morte de seu filho pequeno. Desolada, ela vai embora, retornando dois anos mais tarde totalmente diferente e na companhia de outro homem. Durante um jantar, Will começa a suspeitar que os visitantes têm planos sinistros.

Crítica

Pode-se lidar com a perda de um ente querido de variadas formas, da autoimposição de isolamento social, como faz o personagem de Casey Affleck no devastador Manchester à Beira-Mar (2016), à busca por descobrir novas facetas de quem partiu – caso dos protagonistas de Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e Tão Forte e Tão Perto (2011), por exemplo. O casal Will (Logan Marshall-Green, espécie de sósia de Tom Hardy) e Eden (Tammy Blanchard), de The Invitation, se esfacelou e optou pelo divórcio após a morte trágica do filho pequeno, com cada parte seguindo um caminho diferente, ainda que ambas tenham iniciado novos relacionamentos amorosos: ele continuou mergulhado no luto, retraindo-se em tristeza; ela se entregou ao que considera um processo de cura emocional, por meio de uma seita misteriosa.

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Dirigido por Karyn Kusama, de Aeon Flux (2005) e Garota Infernal (2009), The Invitation se desenvolve justamente a partir do reencontro do casal, num jantar organizado por ela, na casa onde moravam, com o objetivo de reunir seus amigos que há muito não viam. A aparente felicidade de Eden, destoante da dor ainda indisfarçável de Will, instala certa tensão no ambiente, que se transforma em estranhamento quando a primeira e seu novo companheiro, David (Michiel Huisman), resolvem apresentar aos demais suas novas crenças, que em alguns aspectos parecem remeter à Cientologia – e tal apresentação se dá de forma a produzir convencimento, o que gera incômodo em pessoas em geral céticas e que, de qualquer forma, estão ali para confraternizar com velhos amigos.

Apesar do clima pesado ser evocado desde a primeira cena de The Invitation, em que Will e sua namorada Kira (Emayatzy Corinealdi), a caminho do jantar, atropelam um animal e são forçados a sacrificá-lo, Kusama consegue estabelecer um crescendo de tensão, sobretudo a partir das presenças estranhas de Pruitt (John Carroll Lynch) e Sadie (Lindsay Burdge), também adeptos da tal seita, na casa. Enquanto a segunda introduz um elemento de instabilidade naquele cenário, o primeiro se revela mais perigoso, com sua cordialidade apontando para absoluto autocontrole e consciência de cada passo dado. Lynch, excelente ator geralmente aproveitado apenas em papeis secundários – em filmes como Zodíaco (2007), Gran Torino (2008) e o recente Fome de Poder (2016), por exemplo –, transmite ao mesmo tempo fragilidade e uma força ameaçadora. Talvez a cena de The Invitation que melhor sintetize isso seja aquela em que o personagem narra ao grupo sua tragédia pessoal.

Outro mérito de Kusama é produzir dúvida no espectador quanto às desconfianças alimentadas por Will em relação ao comportamento da ex-esposa. O filme segue o olhar do personagem durante toda a narrativa, se constrangendo com ele no momento em que seus receios parecem não fazer nenhum sentido, soando aos demais como mera consequência da ainda presente dificuldade de lidar com o luto. Essa cena específica, em que o protagonista explode em paranoia para logo em seguida ser desmentido pelos fatos, é muito bem construída pela diretora, justamente por compartilhar com o espectador as emoções extremas experimentadas por Will num brevíssimo intervalo de tempo.

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É verdade que o epílogo de The Invitation apela para lugares-comuns do gênero horror, ao qual enfim se filia escancaradamente, mas, ainda assim, o filme segue divertido e assustador, conseguindo, em sua cena final, reiterar, num interessante flerte com uma realidade quase apocalítica, a reflexão sobre a fragilidade da condição humana e a crítica ao oportunismo religioso diante dela.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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