Crítica

Eleanor Rigby é a musa de uma das canções mais famosas dos Beatles. Escrita por Paul McCartney e John Lennon, a música de título homônimo ficou famosa, dentre outros motivos, por um verso do refrão, que dizia “olhe para todas as pessoas solitárias”. Essa, portanto, parece ser a sina de uma outra Eleanor Rigby, a protagonista de Dois Lados do Amor, uma mulher em busca da solidão. Este drama carrega em um dos seus cartazes de divulgação a frase “uma das mais românticas histórias de amor de todos os tempos”, mas na verdade seu enredo trata sobre o processo de recuperação após o fim do amor entre duas pessoas.

A decisão da separação coube à Rigby, interpretada com sofreguidão e entrega por Jessica Chastain, em mais um ótimo trabalho da atriz. A tragédia tomou conta do casal vivido por ela e o marido, defendido com vontade pelo competente James McAvoy. Sem saber como lidar com a questão, ela simplesmente desaparece. Sai da vida dele e decide partir do zero, como se aquilo que fora vivido até então simplesmente não tivesse ocorrido. Ignorar talvez seja a forma mais imediata de evitar a dor.

Mas não estamos acompanhando apenas os acontecimentos ligados à ela. Ele também é importante. E é por isso que nos pegamos tão perplexos e desesperados quanto o marido ao ter que lidar com o afastamento da esposa, que recusa todas as tentativas dele de aproximação, negando-se inclusive a vê-lo novamente. Eleanor volta para a casa dos pais (William Hurt e Isabelle Huppert, ambos ótimos como um casal intelectual que lida com as emoções de modos bastante distintos, o que se percebe nos bons momentos de interação que possuem com a filha) e para a faculdade (a professora, interpretada pela ótima Viola Davis, é outro destaque do elenco), dando início a um processo de volta às origens que tenta o impossível: apagar o passado. Conor (McAvoy), por outro lado, tem no colega de trabalho (Bill Hader, convencendo num personagem mais sério) e no pai (Ciarán Hinds) seus pontos de apoio. Ambos, no entanto, melhor ilustram o que ele não quer ser, como sinais de alerta para a mudança necessária.

As reações dos protagonistas de Dois Lados do Amor são facilmente identificáveis, e talvez por isso mesmo que assistir a esse filme possa ser tão doloroso. Afinal, quem nunca passou pela situação em que é simplesmente impossível seguir em frente, mesmo quando os sentimentos de querer e de afeto seguem existindo, ainda que não o suficiente para superar as dificuldades impostas pelo caminho? Isso se reflete muito bem nos poucos contatos entre os personagens principais, como quando ele decide esperá-la na saída da faculdade, quando ela vai visitá-lo no bar ou quando se reencontram no antigo apartamento que partilhavam: está tudo no olhar, e esse diz muito mais do que qualquer diálogo.

Dois Lados do Amor, tal qual está sendo lançado no Brasil, é apenas uma parte de um projeto muito maior do diretor Ned Benson, que após uma experiência limitada à alguns curtas-metragens decidiu investir em uma proposta muito mais ambiciosa. Trata-se, afinal, de uma história contada sob três pontos de vista: o dela, o dele e o deles. Como resultado, foram lançados dois filmes em 2013, o Him e o Her, ambos narrando estes mesmos acontecimentos, porém de acordo com o que se passou com ele (o primeiro) ou com ela (o segundo). Este que chega agora até nós é o Them, que surgiu após uma reedição do mesmo material, eliminando as partes mais subjetivas e construindo uma narrativa única, que alternasse as duas visões.

Portanto, este Dois Lados do Amor é apenas uma versão reduzida dessa história de amor destruído. Ainda que seja melhor do que nada – pois temos aqui um belo filme que merece ser visto – certamente mais completo teria sido poder assisti-lo de acordo com as intenções originais do realizador. De qualquer forma, com um conjunto de atores em perfeita sintonia e a mão segura do diretor, que consegue se manter imparcial sem advogar em prol nem de um, nem de outro, tem-se aqui uma trama madura, feita sem concessões e necessária enquanto exemplo de que, em alguns casos, apenas querer não é suficiente para conseguir.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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