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Sinopse

Filha de um modesto trabalhador rural, a jovem Tess Durbeyfield é enviada para visitar o primo, filho de uma família nobre. Seduzida e abandonada, ela volta para a fazenda do pai. Tempos depois, o filho do vigário vem com uma revelação bombástica.

Crítica

Os grandes clássicos da era de ouro de Hollywood têm uma estrutura bastante típica, quase em desuso hoje: contar a vida de um personagem não significa mostrar um recorte desse período mas, literalmente, acompanhar o protagonista da infância ou juventude (às vezes do nascimento) até a morte ou velhice. Se o formato parece estranho hoje em dia, era o que encantava votantes da academia, que, já no fim da década de 1970, deram 3 Oscars (e 6 indicações, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme) para Tess: Uma Lição de Vida (1979), filme de Roman Polanski. O longa acompanha a vida de Tess d'Urbervilles. No começo, ela ainda é uma adolescente da zona rural inglesa em pleno século XIX, era vitoriana, marcada por padrões morais medievais, machistas e rígidos. Ao longo da vida, veremos como a belíssima donzela (interpretada por uma pueril Nastassja Kinski) é vítima de seus próprios encantos, ao se envolver com dois homens que, cada um a seu modo, contribuem para sua tragédia (um deles interpretado com muita astúcia e figurino incrível por Leigh Lawson).

É um pouco cansativo perceber que, como a maioria dos filmes que usam da estrutura descrita acima, existem na verdade três filmes dentro de um. A trama de Tess e seu primeiro amor se fecha em si mesma, assim como a trama de Tess e seu marido. O ato final, que conecta as duas tramas, também poderia ser um filme independente e acabado, bastando uma breve contextualização de poucos minutos para fazer sentido. O resultado, bastante pesado, são as 3 horas de filme, justificáveis num tempo em que televisão e séries eram algo quase inexistente, mas bem inadequadas ao público atual, já adaptado a outras linguagens. No entanto, esse detalhe não apaga alguns pontos altos do filme, um deles, a própria direção de Polanski. No comando de um épico vitoriano, o diretor se dá bem e sabe usar os recursos disponíveis para tornar a trama fluida, sem causar-lhe grandes interferências. Um bom exemplo disso é o uso narrativo da profundidade de campo, usando o foco, e não a montagem, para direcionar o olhar do espectador. O resultado é um elenco afinado o tempo todo e um clima mais teatral (e portanto mais vitoriano) do que cinematográfico, embora a linguagem do cinema seja bem explorada.

A forma como Polanski separa a vida de Tess em "estações", indo da primavera pastoral da primeira cena (belamente coreografada) até o inverno estéril que precede o terceiro ato é outro ponto interessante. O amadurecimento da personagem parece evocar os ciclos naturais como a sugerir que a protagonista seja tão fruto da terra, tão natural como o passar do tempo. Uma inferência explica um pouco da inocência quase parva de Tess, que tem lá suas semelhanças com o Cândido de Voltaire. Embora bem intencionada, a garota parece tão desnorteada quanto bela, se jogando de cabeça em situações que qualquer pessoa com o mínimo de vivência reconheceria como prenúncios de tragédia. Por outro lado, é justamente essa inocência que a torna tão simpática. A mocinha sofredora (outro produto da era vitoriana) se casa bem com a estrutura do filme, que vai exibindo os infortúnios como uma série progressiva de catástrofes, até a catarse final, muito bem emoldurada pelo Stonehenge (outro acerto do diretor). Jane Austen (escritora vitoriana que não curtia muito a submissão feminina da própria época) é que não aprovaria.

Fotografia, design de produção e figurinos dão um show, não por acaso tendo levado o Oscar dessas categorias daquele ano. É interessante notar como, mesmo com a tecnologia inferior da época, Geoffrey Unsworth e Ghislain Cloquet (diretores de fotografia) conseguiram efeitos de luz e sombra e cores vívidas como as desejáveis hoje em dia num filme desse calibre. Pensando nos dias de hoje, é um pouco curioso que Polanski, condenado por pedofilia em tribunais americanos, já tenha dirigido um filme trágico sobre o abuso da juventude, da beleza e da inocência. Esse fato, sozinho, talvez faça de Tess: Uma Lição de Vida um filme interessante para ser observado e discutido, hoje ou no futuro. No mais, trata-se de um conto moral de 3 horas belamente dirigido, do tipo que enternece corações saudosistas, mas agoniza quem já viu histórias mais complexas serem contadas em 140 caracteres.

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é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
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