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Sinopse

Cory, caçador de coiotes traumatizado pela morte da filha adolescente, encontra o corpo congelado de uma menina em meio ao nada. Assim inicia uma investigação sobre o crime com o auxílio de uma agente novata do FBI que desconhece a região.

Crítica

Uma garota corre pela neve. Sozinha, os pés descalços deixam claro que ela está fugindo de algo, ou de alguém. A vastidão branca, no entanto, tanto expõe, quanto esconde. Não há nada no horizonte, além do seu desespero. Motivação suficiente para se afastar do perigo que a colocou em movimento, mas não o bastante para que permanecesse viva. A realidade adversa que enfrentou exigiu dela o seu máximo, até que não foi mais possível. Caída, com os pulmões cheios de água congelada, não resistiu e veio a falecer. A causa da morte? Apesar das marcas de agressão pelo corpo e das evidências físicas que, irá se descobrir depois, indicam ter sido ela vítima de um estupro, o falecimento veio, em última instância, pelas condições climáticas que se viu obrigada a enfrentar e drenaram suas últimas forças. Uma tecnicalidade, mas que determinará um outro tipo de investigação a seu respeito. Esta é, portanto, uma Terra Selvagem, que assim como o filme, provoca reações fortes e não entrega respostas fáceis.

Quem a encontra é o caçador Cory Lambert (Jeremy Renner), um homem que carrega pesadas marcas do passado. Ele também é um solitário, e o máximo de calor humano que recebe é da filha pequena, nos seus dias de ficar com ela, e a rápida atenção que obtém da ex-esposa nestes rápidos encontros. Os motivos que o levaram a se tornar essa figura encrudescida de hoje estão, coincidentemente, ligados à história dessa garota perdida no campo nevado. Ela era amiga de sua primogênita, filha de conhecidos queridos. Duas garotas que cresceram juntas, sempre muito próximas, e tiveram destinos similares. Quando sua menina morreu, sua vida parece ter acabado junto. Por isso, sabe bem o que está se passando nesse exato instante com os compadres. E também fica claro porque fará o que estiver ao seu alcance para acabar, ou ao menos diminuir, essa dor que estão sentindo e a qual ele já há um bom tempo aprendeu a conviver.

Estamos em uma região indígena, onde a lei parece ainda distante, e as atenções recebidas pelas autoridades são tão escassas quanto superficiais. Se entende, portanto, porque é enviada para assumir o caso uma novata, a oficial Jane Banner (Elizabeth Olsen). Ávida por mostrar seu valor, chegará trocando as mãos pelos pés, mas será nestes tropeços que descobrirá, também, o valor da companhia certa e a reconhecer os momentos mais adequados para falar e, principalmente, ouvir. Cory e Jane estarão, a partir de agora, juntos. Cada um com um objetivo – ele atrás de uma vingança torta, ela desesperada para mostrar seu potencial – mas unidos numa mesma vontade: descobrir os responsáveis por essa barbaridade. Não se trata de um crime simples – ainda mais quando a própria lei tem dúvidas se houve, de fato, uma infração. Há uma pessoa morta, isso é certo. Mas quem há de se responsabilizar por ela?

O escritor e diretor Taylor Sheridan tem despertado a atenção dos cinéfilos nos últimos anos por filmes tensos e pertinentes como Sicario: Terra de Ninguém (2015) e A Qualquer Custo (2016) – por este último chegou a ser indicado ao Oscar como Melhor Roteiro Original. Também ator em seriados de televisão, Terra Selvagem é, no entanto, apenas seu segundo trabalho como realizador – e o primeiro digno de nota. O que mais impressiona, no entanto, é a maturidade que revela ao se mostrar no comando absoluto da narrativa, dando atenção tanto aos dramas pessoais de cada um dos seus personagens principais, como também ao desenvolvimento da trama, jogando com a linguagem e assumindo riscos calculados, como ao escolher o momento certo para a grande revelação da história. Essa sintonia se percebe também no elenco, principalmente entre os protagonistas: Renner e Olsen, se reencontrando sem as fantasias do Gavião Arqueiro e da Feiticeira Escarlate dos filmes da Marvel, demonstram um entrosamento de poucas palavras, mas olhares significativos. O suficiente para que a confiança que se estabelece entre os dois perpasse também ao espectador.

O grande problema, no entanto, é também sua maior coragem. Sheridan tem uma posição muito clara sobre como seus personagens pensam, e está decidido a defendê-los até mesmo diante às últimas consequências. Nenhuma arte é inocente, no entanto, e o cinema, como uma das mais populares formas de manifestação artística dos nossos dias, está a par dessa verdade. Por isso, assumir um discurso que defenda a lei do olho-por-olho, dente-por-dente talvez faça sentido em tempos em que os Estados Unidos são comandados por alguém como Donald Trump e movimentos conservadores e retrógrados parecem ressurgir nos mais variados cantos do mundo. Mas seria esse, de fato, o caminho? O que é feito é fato, e não há como voltar atrás. Porém, não haveriam outras opções? Poderá a dor ter fim somente ao infringi-la naquele que a causou primeiro na mesma proporção por ele gerada antes? Talvez essa, enfim, seja a maior questão de Terra Selvagem: revelar a selvageria na complacência de cada um no lado de cá da tela.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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