Crítica
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Sinopse
Clara entra num estado catatônico aparentemente incurável após um acidente trágico. Sua irmã gêmea, Fernanda, descobre uma terapia alternativa que a faz entrar num universo sobrenatural e sombrio.
Crítica
Qual seria a graça de montar um quebra-cabeça se as peças estivessem numeradas e na caixa existisse um mapa ensinando como e em qual ordem encaixar os fragmentos? Pouca, afinal de contas o desafio é o que justifica a empreitada. A analogia cabe bem para ilustrar a experiência de Terapia do Medo. O thriller pretensamente intrincado dirigido por Roberto Moreira contém pacientes que ouvem vozes e histórias macabras do passado. Mas, faz questão de comentar cada movimento como se estivesse morrendo de medo que o espectador se perdesse em curvas pouco sinuosas. A protagonista é Clara (Cléo Pires), atleta que escuta sussurros desde que os pais morreram simultaneamente num evento trágico. Sua consulta com um novo psicólogo, Bruno (Sergio Guizé), serve de desculpa para ela contar exatamente o quê, como e com que frequência é acometida por sintomas de um transtorno mental. A montagem impõe um pingue-pongue cansativo, restringindo-se ao campo/contracampo enquanto a mulher abre o coração àquele que vai tentar ajuda-la. Além do texto meramente ilustrativo – uma espécie de tábua na qual a direção se segura sempre que possível –, a encenação e o fraco desempenho dos atores comprometem a adesão emocional. Há ainda o esforço para compensar essas fragilidades acumuladas com uma trilha sonora indutiva e praticamente onipresente. É sintomático que a imagem precária precise de uma moldura que tente lhe dar espessura.
Essa noção artificial que caracteriza a primeira conversa de Clara com Bruno é também vista um pouco adiante, quando surge o treinador/namorado da jogadora de vôlei de praia. A dinâmica que começa na desatenção na quadra de areia (por causa do vislumbre de um menino) e termina com a bronca do personagem de Luma Oquendo é desenvolvida com displicência. A câmera se restringe a descrever o que será imediatamente sublinhado pelas falas, obedecendo à primazia asfixiante do "esclareça tudo". Em meio à discussão, o quase monólogo do homem carrega a preocupação com o desempenho atlético, o resgate do histórico de problemas e a sinalização do duplo vínculo com a protagonista. Além disso, nessa sequência ocorre a interação inicial de Clara com sua irmã gêmea, Fernanda. E aqui cabe um parêntese exatamente para isolar o quão dispensável é a lógica das univitelinas durante quase todo Terapia do Medo. No mais das vezes, se trata pura e simplesmente de uma duplicação visual da mesma personagem. Cléo Pires não se empenha para sugerir oscilações entre diferenças e semelhanças, algo complicado por elas terem personalidades quase iguais. Assim, a maquiagem e o figurino fazem todo o trabalho de distinção. Para efeito de comparação, o resultado está muito distante do que Jeremy Irons consegue em Gêmeos: Mórbida Semelhança (1988).
Na verdade, a existência de gêmeas no longa-metragem tem um porquê apenas próximo ao encerramento, ao insinuar uma conjectura que se revela falsa (aliás, é o único movimento instigante do roteiro preguiçoso). Sergio Guizé não parece se empenhar tanto mais para estofar o seu arquétipo do cientista disposto às últimas consequências para transcender os conhecimentos da raça. A única atriz que “nada de braçada”, se destacando positivamente, é Andressa Cabral, a intérprete da mãe de Bruno. Ela aproveita a oportunidade e compõe com propriedade a personagem decalcada de um modelo caro ao cinema do terror (a mãe perturbada/perturbadora) . Em vários instantes, ela se insinua pela casa à beira-mar como uma figura que inspira apreensão. Além de não desenvolver detalhes para distinguir Clara e Fernanda, Cléo Pires se perde ao tentar dar profundidade emocional à trajetória acidentada de Clara e Fernanda. E, por falar em acidente, o literal que engatilha a catatonia de uma delas é mostrado numa cena mal preparada, filmada desajeitadamente e com ressonâncias mínimas. Não há tensão suficiente na aceleração desproporcional da moto do namorado com a jovem na garupa; o momento da colisão é capturado (e montado) displicentemente, sem que o resultado expresse o drama do momento; e a consequência se restringe ao estado de Clara. A morte do namorado é encarada como dado apenas somatório.
Terapia do Medo mergulha mais abertamente nas águas do clássico terror estilo B norte-americano ao deslocar a ação para a mansão de Bruno. Para isso, tenta se aproveitar de moldes do gênero, como os fantasmas vingativos e os segredos familiares de potencial destrutivo. Dentro da dinâmica explicativa que continua imperando, temos: a fita VHS em que o passado oferece praticamente uma aula sobre equipamentos e técnicas de vanguarda; flashbacks que resolvem burocraticamente as coisas; o famigerado monólogo do vilão; chegando ao cúmulo de Bruno informar (sem que ninguém pergunte, é bom dizer) o que preenche as gavetas atrás de sua mesa. Roberto Moreira insiste em investir numa trilha sonora manipuladora e onipresente, não conseguindo imprimir tensão sequer quando as peças do quebra-cabeça – que não oferece tantos desafios aos que desejarem montá-lo – afunilam em direção à nova tragédia. A revelação do que está por trás dos desejos do espírito obsessivo também acontece por meio desses truques meramente ilustrativos. O realizador não dá conta de transferir à atmosfera aquilo que os personagens dizem sentir, desejar, esperar e ter medo de. Nem a experiência de finalmente descobrir a verdade é intensificada, pois igualmente tratada como um elemento a ser transferido ao espectador. Como se fosse urgente se livrar logo dele. Ao contrário dos filmes B estadunidenses nos quais o diretor "bebe", as restrições aqui não viram valor. São só precariedades, mesmo.
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A crítica não poderia ser melhor. Você descreveu cada sentimento/impressão que fui construindo no desenvolver do filme. A ideia da trama é até boa, mas a execução é fraquíssima. As atuações, ruins demais de todos, sem exceção. Cleo deveria ter feito uma imersão sensorial em Mulheres de Areia e trocado umas ideias c a mãe. Um filme preguiçoso feito para (ou julgando) um espectador preguiçoso. O que pode ter de bom é a fotografia e a iluminação que contribuem para o clima e poderia ter dispensado em boa parte aquela trilha insistente, chata e desproporcional.
Se o crítico detestou deve ser bom. :)