Crítica


2

Leitores


62 votos 7

Onde Assistir

Sinopse

Um executivo publicitário e uma blogueira de moda não acreditam que possa existir amor verdadeiro, ainda mais na Turquia dos dias atuais. E para provar isso, ambos apostam que podem fazer o outro se apaixonar perdidamente.

Crítica

Uma das graças de assistir a uma partida de pingue-pongue é acompanhar a variação das jogadas, claro, além da capacidade de raciocínio rápido dos oponentes. O que dá emoção ao jogo é o dinamismo e a adequação dos estilos pessoais aos gestos do adversário. Portanto, se uma partida de pingue-pongue se resumir a duas pessoas trocando raquetadas de intensidade parecida, a bolinha indo e voltando com força e direção parecidas, a tendência é que a peleja fique monótona, correto? Pois bem, podemos comparar o filme turco Táticas do Amor a uma disputa enfadonha de pingue-pongue na qual os jogadores cheios de si trocam lances semelhantes, com os sentimentos fazendo às vezes da bolinha. Kerem (Sukru Ozyildiz) e Asli (Demet Özdemir) são provavelmente as duas pessoas mais bonitas em qualquer ambiente. A diferença de gênero parece abrir um abismo entre eles, mas na verdade o publicitário bem-sucedido e a não menos celebrada estilista-chefe de uma marca importante são “farinha do mesmo saco”. Ambos não acreditam na existência do amor, mas isso nem chega a vir ao caso, senão como motivação à existência das apostas acontecendo simultaneamente. Ele garante para os amigos que pode fazer qualquer mulher ficar gamada; ela promete a mesma coisa para as amigas. É nesse instante que começa o cansativo pingue-pongue feito de estratégias e movimentos praticamente iguais.

Existe um espelhamento intencional entre os núcleos masculino e feminino de Táticas do Amor. Os protagonistas são lindos, valorizados profissionalmente e possuem um grupo seleto de amigos/colegas, composto basicamente de: um solteiro que acabou de levar um pé na bunda em cada lado; no caso dele, também de um casado; no caso dela, de mais duas garotas meramente ilustrativas. Durante os dois primeiros atos do longa, o cineasta Emre Kabakusak aposta numa estratégia equivalente a das disputas esportivas – e aqui voltamos à analogia com o tênis de mesa: toda vez que Kerem diz algo, se vangloriando de estar à frente na disputa com a linda pretendente, Asli faz a mesmíssima coisa. Sempre que o publicitário afirma que fará tal coisa para conseguir fisgar a presa, a estilista demonstra a mesmíssima estratégia numa disputa de egos que se continua nessa toada. É evidente que ambos estão armando a arapuca para si mesmos e que serão traídos pelas próprias arrogâncias diante do “amor avassalador que a tudo vence”. Fica implícito que estão brincando com fogo, desafiando os “poderes misteriosos” da paixão que nem eles próprios conseguem controlar. Se trata, portanto, de uma concepção bastante romântica (no sentido mais superficial que o termo complexo possui) essa a de fazer os personagens se renderem gradativamente aos desígnios de um sentimento “inescapável”.

Mas, Táticas do Amor não é apenas um jogo de pingue-pongue que nos cansa rapidamente. É também uma coleção grosseira de estereótipos e lugares-comuns pouco problematizados. Emre Kabakusak desenha Asli como uma espécie de sabichona sobre como “os homens pensam”, colocando em sua boca uma série de clichês e generalizações sobre comportamento masculino. Da mesma maneira (já que o realizador não consegue deixar de espelhar), Kerem se apresenta como um especialista nas atitudes femininas, em virtude de seus inúmeros casos de curta duração. Então, pressupondo que os protagonistas estão simultaneamente caminhando rumo à quebra de seus conceitos e leituras, podemos imaginar que o encerramento também trará o aprendizado sobre o quão pouco ambos conhecem verdadeiramente o outro gênero. Mas, isso não acontece. O cineasta prefere partir para os finalmente do “felizes para sempre” e evitar qualquer ponderação a respeito das arrogâncias de Kerem e Asli. Assim, ninguém questiona a visão machista dele sobre “o lar ser o templo da mulher” e tampouco a dela, revelada na repreensão à amiga por ter transado no primeiro encontro. Essas colocações passam como se fossem obviedades, sequer sendo entendidas dentro do contexto no qual as tais pessoas ricas vivem. O que importa é fazer homem e mulher “caírem do cavalo”, mas apenas sobre o amor.

Já vimos Táticas do Amor inúmeras vezes, talvez não com os cenários que vão de Istambul à lindíssima Capadócia, mas já o vimos. O longa se esbalda num tipo de abordagem consagrada pelo cinema norte-americano. No que diz respeito à narrativa, não faz questão alguma de guardar surpresas ou desviar do que conseguimos prever. Quanto à representação, desloca a ação para o mundo dos endinheirados, reforçando a admiração por esse estilo de vida marcado por carros de luxo e casas faraônicas. Nem ao menos se reserva o direito de questionar, minimamente, quais são os valores empenhados/procurados por ali. Emre Kabakusak evita até trabalhar o suspense evidente em torno das reais intenções dos protagonistas, deixando sempre muito claro quando eles estão falando verdades ou utilizando as suas mentiras convenientes. Assim, a história se desenvolve de modo morno, sem maiores novidades dentro de um filão utilizado à exaustão. Além disso, desperdiça o potencial das particularidades turcas em prol de uma sensação de “internacionalização” ou, melhor dizendo, de “norte-americanização”. Quanto às atuações, Demet Özdemir até que se sai bem como a estilista blogueira que aceita de prontidão a sugestão estapafúrdia de uma leitora para fazer alguém cair de amores por ela. Já Sukru Ozyildiz esbanja caras e bocas (e peitoral desnudo) numa composição quase sem nuances. O resultado é um pingue-pongue cansativo, no qual os adversários telegrafam (assim antecipando) todas as jogadas manjadas.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *