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Sinopse

Uma investigação afetiva sobre a obra, a trajetória e o impacto da Super Oara - ou Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos -, uma verdadeira big band sertaneja que marcou os bailes de Pernambuco e que ainda se apresenta nos dias de hoje em datas comemorativas.

Crítica

Engana-se quem acha que Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos é um documentário estritamente sobre o tradicional grupo que dá nome ao filme. Aliás, bem longe disso. O cineasta Sergio Oliveira utiliza o time de músicos, cuja formação original data de mais de 50 anos atrás, para propor um retrato peculiar das transformações pelas quais o sertão vem passando, isso por conta dos elementos de uma modernização que deixa alguns à margem. Desde o princípio, o jegue, animal bastante presente no cotidiano da região, ganha um espaço privilegiado na tela, sendo visto em sua instrumentalização esportiva, como montaria para jovens jóqueis em corridas de curta distância, na condição de transportadores de carga ou simplesmente largados pelas ruelas da cidade, buscando o que comer, inclusive nos despachos das encruzilhadas. Essa observação é rigorosa, de contornos meio despropositados, vide o acúmulo de imagens aparentemente desconexas que caracterizam boa parte do longa.

Apenas quando chega o último terço de Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos é que essa mensagem orientada pela iminente obsolescência do jegue ganha contornos bem definidos. A montagem alternando os representantes da fauna escanteados e as motocicletas cada vez mais invadindo as ruas deixa claro não haver ambiente para ambos no dia a dia da localidade. Nesse sentido, a orquestra também tende a perder terreno. Os artistas vestidos de gala em apresentações anacrônicas dão lugar, conforme a juventude avança, aos dispositivos eletrônicos, às festas cheias de luzes estrambólicas, sem o charme de outrora. Todavia, antes de chegar a essa conclusão, o realizador aposta na construção de um percurso demasiadamente poroso, feito da justaposição de registros quase aleatórios, incorrendo numa dinâmica logo viciada pelo procedimento repetitivo. Enquanto prepara o terreno às proposições frontais, o documentário cai num marasmo penoso.

Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos merece crédito por fugir amplamente ao banal, investindo num tom fabular para opor dois tempos que convivem num mesmo espaço geográfico, porém distinguindo suas vertentes. Vislumbres de festas de debutantes, meninas de roupas pomposas, reuniões repletas de gente dançando coladinho na pista são encarados como sintomas de um passado que teima em permanecer, mas que logo deve evanescer. Dessa forma, as multicoloridas celebrações joviais, com coreografias elaboradas e um despojamento maior, aparecem como contraponto. Aliás, algo que Sergio Oliveira apenas observa, sem analisar criticamente, é a influência da cultura norte-americana na região, seja nos bailes regados a Frank Sinatra, Elvis Presley e afins, ou nas baladas conduzidas pelas batidas de sucessos internacionais que nada têm a ver com a cultura sertaneja. Assim, embora haja um embate considerável, a interferência estrangeira permanece, carimbando o cenário.

A despeito da sua mirada lírica, que ocasionalmente gera momentos bonitos e contundentes, Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos demora muito para dizer a que veio, antes permanecendo excessivamente num terreno indeterminado pela abstração de sua narrativa pouco afeita a expedientes meramente explicativos e/ou indicativos. Passagens arrojadas como o beatbox dos jumentos – fruto de uma trucagem de som e montagem –, bem como o excerto marcado pelo desempenho do dançarino que faz passos à lá Michael Jackson, reforçam a distância das obviedades, a bem-vinda busca por provocar sentidos e fazer observações de maneiras estranhas ao documentário convencional. Entretanto, nem sempre essa coragem é recompensada, geralmente criando bolhas entediantes pela simples falta de movimento. O jegue remonta a A Grande Testemunha (1966), clássico do francês Robert Bresson, mas tão e somente pela forma como o animal é retratado, uma vítima inocente da atividade humana.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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