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Crítica


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Sinopse

Em Sting: Aranha Assassina, Charlotte é uma garota de 12 anos que encontra uma pequena aranha em seu prédio e decide criá-la como animal de estimação. O que começa como uma simples aventura se transforma em pesadelo quando a aranha cresce em um ritmo monstruoso e desenvolve um apetite insaciável. Horror.

Crítica

Muitas vezes o terror é utilizado como estratégica metafórica para discutir perigos e problemas mundanos. Assim, nem sempre o mais importante é o nível da ameaça, o tamanho ou o tipo da criatura que coloca a vida das pessoas em risco, mas o que aquilo significa simbolicamente. Em Sting: Aranha Assassina temos um inimigo extraordinário perseguindo os moradores de um edifício antigo da cidade norte-americana de Nova Iorque. A protagonista é Charlotte (Alyla Browne), garota que admira o seu padrasto quadrinista e transforma em criatividade a saudade do pai supostamente morador da Tailândia. De cara estamos diante de uma personalidade infantil emocionalmente dependente das figuras paternas. E isso vai ser muito importante para o desenrolar dessa trama que começa mostrando uma aranha descomunal devorando dois dedetizadores chamados para exterminar a praga ruidosa nas paredes do local. Primeiramente, o diretor e roteirista Kiah Roache-Turner nos apresenta o mostro, dando uma dimensão de sua capacidade mortal, para depois voltar quatro meses no tempo. Desse modo, ele fornece ao espectador mais informações do que aos personagens em busca da manutenção do suspense. Quando Charlotte decide começar a criar o pequeno aracnídeo que ela não sabe ter vindo do espaço (mas nós sabemos), automaticamente somos levados a temer por todos nas redondezas.

Antes de destrinchar um pouco a metáfora à qual o filme se presta, é preciso fazer uma menção honrosa à construção do cenário. No exterior, uma nevasca severa que transforma o prédio e seus apartamentos num local de confinamento. E Kiah Roache-Turner explora com certa destreza a sensação de claustrofobia, ainda que pudesse ir ainda mais longe quando começa a desenhar a lógica interna de um labirinto formado pelos dutos de ar por onde a aranha se locomove e acessa o interior das residências. Enfatizando o quão sombrio é esse prédio, a fotografia assinada por Brad Shield também é responsável pela construção da atmosfera propícia a muitos sobressaltos e jump scares – os sustos repentinos que se tornaram clichê do terror. Aliás, o diretor abusa um pouco desse expediente, às vezes não conseguindo encontrar alternativas para expressar o impacto dos botes da aranha ou mesmo os demais clímaces de sua ação sorrateira. Voltando ao ambiente, esse lugar repleto de pontos cegos é propício à ação de uma alienígena com forma aracnídea que recua apenas quando em contato com a naftalina. Sting: Aranha Assassina também contempla uma pouco resolvida lógica figurada, tendo em vista que o vilão é alienígena e boa parte dos moradores do prédio são imigrantes – ao longo das décadas, o cinema estadunidense utilizou muito os extraterrestes para simbolizar pessoas vindas de outros países.

Numa dimensão mais superficial, Sting: Aranha Assassina é sobre vizinhos sucumbindo à ação de uma criatura alienígena que cresce desproporcionalmente à medida que vai satisfazendo a sua fome brutal. No entanto, essa situação toda existe com um propósito claro: o de permitir ao padrasto, Ethan (Ryan Corr), provar à sua família que é um sujeito valente e adequado (dentro das expectativas patriarcais) para cumprir o papel de provedor e protetor. Ethan é o zelador do local (com isso mora de graça no prédio). Trata-se de um homem dedicado à enteada que considera sua filha. Enquanto cresce o perigo da aranha vinda do espaço, Kiah Roache-Turner torna o papel masculino gradativamente maior, ao ponto de entregar a ele o protagonismo. Ethan faz esforços para ser um exemplo a Charlotte, não conseguindo disfarçar o ciúme sentido da idolatria pelo pai ausente e ainda sendo constantemente desacreditado pela proprietária do prédio – a senhoria chega a chama-lo de “muito legal, mas fraco”, como se fosse preciso se livrar dele como quem combate uma praga indesejada. A partir do momento em que o filme escancara o homem como o seu protagonista real, fica fácil perceber que a ameaça existe simplesmente para que o sujeito tenha condições de provar coragem aos que dele duvidam. O mal será vencido especificamente quando o homem se apropriar do lugar de protetor que o torna alguém heroico.

Somente depois que todos os imigrantes sucumbem (o jovem de traços asiáticos, as idosas do leste europeu, a solitária latina, etc.), Ethan começa a retomar a sua posição alfa. Portanto, a ameaça alienígena existe para “limpar” o prédio dos imigrantes e abrir caminho para um norte-americano branco ascender e retomar as rédeas familiares – não sem antes se livrar, justamente, dos perigos representados pelo extraterrestre monstruoso (repetindo: figura tantas vezes utilizada como metáfora àqueles que vêm de fora). Como entretenimento, o filme cumpre relativamente bem o seu objetivo. Algumas cenas são muito boas e o clima de terror em torno da existência do vilão selvagem é mantido com sucesso. Kiah Roache-Turner poderia aproveitar melhor algumas ideias, como a senhora que tem problemas severos de memória e por causa disso se torna involuntariamente aliada da aranha por atrair sempre mais dedetizadores para o seu covil. Porém, é preciso analisar também o discurso dos filmes, aquilo que dizem nas entrelinhas, com outras palavras, as ideias que eles expressam por meio de simbologias. E, de fato, Sting: Aranha Assassina é menos sobre a existência de uma criatura mortal e mais sobre como isso permite a um homem emasculado retomar as rédeas da família que ele precisa liderar como provedor corajoso. O extermínio dos imigrantes abre o caminho. Não se trata de “procurar pelo em ovo”, como alguns podem achar, mas de somar um mais um e chegar a esse resultado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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