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Sinopse

A vida e a obra de Michael J. Fox, um dos principais astros de Hollywood nos anos 1980 e início dos 1990. A vida pública de um jovem ator que recebeu o diagnóstico da Doença de Parkinson quando tinha apenas 29 anos.

Crítica

As histórias mitológicas que envolvem a queda dos deuses do Olimpo são geralmente repletas de dramas grandiosos, derrotas épicas e/ou triunfos heroicos. Nelas, os personagens tendem a ser encarados como maiores do que a própria vida, seja por suas proezas ou mesmo em virtude de uma capacidade sobre-humana de superar obstáculos aparentemente insuperáveis. Mesmo que, do ponto de vista prático, seja um homem comum, o ator Michael J. Fox se tornou um dos astros mais brilhantes do olimpo Hollywoodiano em pouquíssimo tempo, assim ganhando contornos quase míticos aos olhos dos meros mortais, ou seja, da plateia. Especialmente depois de estrelar a saga De Volta Para o Futuro, repentinamente ele viu as dúvidas quanto ao futuro profissional, bem como as dificuldades financeiras, simplesmente desaparecerem. Tornou-se famoso, requisitado como poucos jovens aspirantes à divindade cinematográfica, alternou altos e baixos, mas foi atingido em cheio pelo diagnóstico que mudaria por completo a sua vida: em 1991, então com 29 anos, descobriu ser portador da Doença de Parkinson, mal degenerativo incurável. E Still: Ainda Sou Michael J. Fox é o documentário sobre essa trajetória. Sem a gravidade intrínseca às narrativas das desgraças olimpianas, com uma sensível sobriedade, ele encara os temas, não os tornando parcelas de um espetáculo de piedade e/ou autocomiseração.

Dirigido por Davis Guggenheim (vencedor do Oscar de Melhor Documentário por Uma Verdade Inconveniente, 2007), Still: Ainda Sou Michael J. Fox chama atenção inicialmente por sua abordagem direta das diversas fases da vida do astro em questão. O próprio Michael J. Fox narra desde a infância inquieta até a difícil decisão de tornar pública a sua alarmante condição médica. Diferentemente do que vemos em boa parte dos documentários de tons confessionais, aqui a câmera não captura o protagonista ligeiramente de lado, mas o enquadra absolutamente de frente. Parece uma opção muito consciente para, ao mesmo tempo, transformar a interação entre personagem e câmera (cujo “olho” nos representa) numa conversa direta e franca, sem a intromissão de desvio ou mesmo de falsetes. Enquanto o intérprete de Marty McFly se revela inteiramente ao dispositivo que o encara, o realizador trata de ilustrar tudo com uma mistura bem-sucedida de imagens de arquivo (fotos, vídeos da imprensa e registros de bastidores) e pequenas dramatizações que dão uma dimensão concreta às memórias. Especialmente esta operação de encenar brevemente episódios importantes da infância e da adolescência do astro poderia resultar em algo didático, impositivo pela natureza objetiva da imagem (que não deixa tantas margens à imaginação). No entanto, Davis Guggenheim dribla bem essas armadilhas e consegue se equilibrar entre fechar tudo numa interpretação visual e o convite a interpretações.

Still: Ainda Sou Michael J. Fox poderia ser um daqueles filmes orientados pela lamúria, no qual o tom predominante nos levasse invariavelmente à sensação de “pena algo assim ter acontecido a um garoto que lutou tanto para alcançar o topo do mundo”. Sem tirar do caminho o pesar pelos desígnios de um destino insondável em sua aparente perversidade, Davis Guggenheim consegue fazer um retrato multifacetado do artista envolvido numa enorme batalha, mas que não faz dela a única coisa persistente em seu dia a dia. Michael J. Fox ganha espaço para mostrar as estratégias espirituosas com as quais encara o fardo imposto pela doença, se considera terminantemente contrário a ser encarado como vítima digna de pena e ainda aproveita esse espaço de reflexão para exaltar os seus. Quase sempre confrontado pela câmera, às vezes sendo provocado pelo cineasta, o ator fala da saudade sentida do pai militar que inesperadamente incentivou o sonho hollywoodiano do filho inquieto, bem como a devoção pela esposa (a também atriz Tracy Pollan) e as estratégias para esconder a sua condição médica no começo. Especialmente os instantes em que Michael J. Fox está lutando contra limitações físicas impostas pela Doença de Parkinson comprovam a intenção diretiva de manter tudo dentro da sobriedade, de não violar a intimidade em busca de um espetáculo dramático e tampouco atenuar as dores.

Também fugindo de um lugar-comum desse tipo de documentário, Davis Guggenheim opta por não colher depoimentos de amigos, familiares e colegas de profissão. No máximo, conseguimos capturar algo da interação de Michael J. Fox com as pessoas ao redor. Por exemplo, a devoção da esposa está bem mais perceptível no cuidado e na atitude positiva percebidas ao largo de visitas ao médico, e na companhia dos tratamentos, do que impressas diretamente nas falas. Por mais que não se arrisque do ponto de vista da linguagem, quando muito rompendo ligeiramente com alguns clichês narrativos do documentário de cunho biográfico à medida que abraça outros conscientemente, o realizador cria um ambiente favorável à expressão de seu protagonista fragilizado pela enfermidade que o limita, um lutador diário para para manter o bom humor. O resultado é um retrato emocionante, mas não excessivamente sentimentalista; realista, mas não demasiadamente duro; melancólico, mas não exageradamente triste. O principal mérito da condução de Guggenheim é exatamente as sutis compensações que ele oferece aos dados mais, digamos, voláteis da história contada. Quando o filme parece se tornar sentimental demais, aparecem chistes e/ou pequenas observações espirituosas para amenizar o excesso sem romper o fluxo da emoção. O resultado é uma fotografia, senão total, bastante bonita de Michael J. Fox.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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