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Sinopse

Os conflitos internos dos sobreviventes da Resistência e a luta dos mesmos contra a Primeira Ordem estão em evidência. Uma antiga força do mal parece ter retornado das cinzas. Está na hora do fim de uma saga.

Crítica

Uma das contribuições mais importantes do cineasta Rian Johnson à saga Star Wars, com o excelente Star Wars: Os Últimos Jedi (2018), foi uma espécie de democratização da Força, sobretudo quanto ao protagonismo dela na luta da Resistência contra o vulto do fascismo da Primeira Ordem. Se antes o controle excepcional dessa capacidade extraordinária e determinante estava concentrado no sangue que corria nas veias dos Skywalker, a origem pouco nobre de Rey (Daisy Ridley), bem como o belíssimo vislumbre do menino manipulando instrumentos à distância naturalmente, dava a sensação de que essa potência do bem transformada em superpoder poderia florescer em qualquer um. É bonita essa lógica do empoderamento sem pré-requisitos. Porém, em Star Wars: A Ascensão Skywalker¸o diretor J. J. Abrams simplesmente ignora esse direcionamento e reafirma o elitismo calcado no sangue. As peças vitais desse jogo entre Jedis e Siths têm linhagem "real", descendem de clãs predestinados a lutar pela liberdade da galáxia ou por sua subjugação.

Aliás, Star Wars: A Ascensão Skywalker soa quase integralmente como um pedido de desculpas de Abrams, sobretudo aos fãs mais extremistas, os absolutamente “ofendidos” pela coragem anterior de Johnson, o que configura um tremendo desrespeito com seu predecessor. É como se o responsável por reiniciar a franquia, lá atrás, com o excelente Star Wars: O Despertar da Força (2017) estivesse bem mais preocupado em fazer uma reverência desbragada aos velhos tempos e, por conseguinte, a ficar “bem na fita” com os insatisfeitos que passaram o último ano reclamando do arrojo. E o tom de “correção de curso” passa também pela simplificação tremenda da face do mal que alimenta a sombra do universo. Antes existia a ideia de pulverização da ameaça, algo que ia ao encontro da dinâmica de descentralização. Todos poderiam ser potencialmente bons ou maus, afinal de contas esses âmbitos convivem incessantemente, se alternando em vários instantes. Mas Abrams decide ceder e mostrar a vilania máxima como oriunda de apenas uma fonte, assim novamente retrocedendo.

O roteiro de Star Wars: A Ascensão Skywalker é uma colcha de retalhos mal cerzida, com inconsistências se sucedendo na telona. Rey precisa embarcar numa missão praticamente impossível, mas tem seu caminho clarificado consecutivamente por coincidências e revelações empilhadas com despudor. O dado emocional fica bastante comprometido exatamente por conta desse trajeto acidentado. Por exemplo, algo que Luke Sywalker (Mark Hamill) não tinha conseguido em vida, mesmo com anos de treinamento e a maestria Jedi, é obtido sem maiores complicações pelo time de novatos. Chega-se ao cúmulo de uma peça ser encaixada nesse quebra-cabeça meramente pelo acaso, com os resistentes caindo num buraco e topando convenientemente com cadáveres e artefatos vitais. O próprio trajeto paralelo da protagonista e de seu suposto algoz, Kylo Ren (Adam Driver), é desenhado burocraticamente, com diálogos expositivos e uma ordinária noção de dualismo em voga.

Outro ponto complicado, inclusive pelo caráter acintoso, em Star Wars: A Ascensão Skywalker é a necessidade reiterada, beirando o vergonhoso, de encontrar interesses amorosos femininos para Poe (Oscar Isaac) e Finn (John Boyega), assim rechaçando as ventiladas possibilidades deles configurarem um casal. Tendo em vista a urgência de representatividade nos cinemas, não é suficiente Abrams mostrar mulheres se beijando rapidamente, do tipo “piscou perdeu”, numa cena de comemoração, quando é gritante esse conservadorismo, talvez imposto veladamente pelos mesmos fãs avessos a qualquer mudança na sua franquia favorita, ainda mais quando esta aponta ao progresso. Não bastasse esses problemas, falta intensidade nas batalhas, bem como são pálidas e capengas as curvas dramáticas de certos personagens icônicos rumo ao fim, tais como C3PO (Anthony Daniels) e Chewbacca (Joonas Suotamo). Nem mesmo o novo dróide apresentado possui personalidade suficiente para se tornar uma figura marcante nessa aventura preguiçosa e atada ao passado.

Há momentos bonitos, exceções que confirmam a regra prioritariamente vigente, vide algumas despedidas e aparições surpresa, mas o acúmulo de expedientes decepcionantes em Star Wars: A Ascensão Skywalker é tamanho que fica difícil não sentir saudades de Rian Johnson e mesmo do bom e velho J. J. Abrams. Este tinha estabelecido uma ponte gostosa entre o velho e o novo em Star Wars: O Despertar da Força, mantendo uma cota milimétrica de fanservice, inclusive utilizando de maneira bem mais potente as engrenagens básicas dessa estrutura criada nos anos 70 por George Lucas. Aqui ele se contenta em fazer mais do mesmo, em voltar várias casas no jogo de Star Wars a fim de agradar o público-alvo considerado prioritário, acenando à voracidade por conformismo, com pirotecnias para desviar a atenção das debilidades. Uma pena que nem a díade da Força, um conceito excelente, seja utilizado de forma empolgante nesse filme com gosto rançoso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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