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Sinopse

O síndico, o porteiro, a faxineira, a ex-atriz, o homem de preto, os policiais e outras curiosas figuras reagem a uma surpresa inesperada, até que descobrem uma webcam ligada filmando a confusão e gerando uma mudança de comportamento.

Crítica

Num primeiro momento, parece ousado que alguém como Daniel Filho, cineasta de grandes sucessos junto ao público, se atire no experimental com Sorria, Você Está Sendo Filmado. Câmera prioritariamente fixa durante os 80 minutos de duração, com o movimento surgindo apenas do que entra e sai dos limites do enquadramento, auxiliado por sons extracampo. Também o registro vendido pelo marketing da produção, humor negro, aponta para certa zona de risco. Nem uma coisa, nem outra. Na verdade, estamos inevitável e infelizmente num terreno conhecido, com os dois pés na segurança de uma narrativa celebrada como algo inusitado, mas que exibe, tanto na estrutura quanto na essência, uma mescla de conservadorismo e banalidade. Tudo começa com um cara que se mata em frente a webcam. Ouvimos o tiro, sem testemunhar visualmente o ocorrido. Aí a coisa começa a complicar.

Normal que vizinhos, porteiros, o síndico, policiais, muita gente se mobilize em torno de um fato trágico como esse. Registrado pelo plano fixo e sequencial proposto por Daniel Filho (a tal webcam ligada) começa, então, o ir e vir de personagens. Pretensamente, eles participam de situações em que o absurdo descortinaria um pouco do ridículo de ser humano, de viver e morrer muitas vezes à margem da atenção, mesmo dos que nos circundam. Geneton (Lázaro Ramos) é o funcionário mais preocupado com o ar-condicionado que com o cadáver na sala. Neide (Roberta Rodrigues), empregada do morto, se agarra na possibilidade de aparecer na televisão. Valdir (Otávio Augusto) e sua esposa Vera (Susana Vieira), respectivamente o síndico de profissão e a atriz decadente, entre outras coisas, brigam embriagados. Cada vez aparecem mais pessoas nesse filme que se refestela no pastelão, sem indícios de vergonha.

Em Sorria, Você Está Sendo Filmado, os tipos bebem estereótipos como se eles fossem água. A encenação é engessada, principalmente em virtude da inabilidade de Filho para fazer da restrição da câmera fixa um dispositivo de criação. O papa-defunto interpretado por Lúcio Mauro Filho é um bom exemplo do funcionamento desajeitado dessa máquina que trabalha fumegando, nas últimas. Ele emposta demais a voz, faz força para parecer uma figura unidimensional na tela. Nadando no raso, nossa única saída é pinçar, entre um mal usado contrassenso e outro, momentos que não permitem ao tédio se instaurar por completo. Otávio Augusto é o destaque positivo, pois faz do limão uma limonada com o material pobre que lhe oferecem.

Sorria, Você Está Sendo Filmado é um longa que empilha circunstâncias e tipos empurrados por absurdos contraproducentes. Daniel Filho perde a oportunidade de fazer uma comédia satírica sobre o comportamento das pessoas diante da desgraça, o pouco valor que se dá à vida alheia frente a demandas banais, pois infla seu método de artificialidade. Desse jeito, o que sobra é a curiosidade de produção, pouco para sustentar nosso interesse diante do mais do mesmo que vemos. A sequência final é outro desperdício. Se mais sutil, seria um comentário interessante sobre o fascínio pelo registro, por estar literalmente sendo filmado. Do jeito que ocorre, é somente outra peça articulada sem habilidade num todo cheio de boas possibilidades jogadas pelas janelas cenográficas de Copacabana.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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