Crítica
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Sinopse
Em Sonhar com Leões, Gilda, uma imigrante brasileira vivendo em Lisboa, Portugal, chegou ao fim da linha. Com uma doença terminal e apenas um ano de vida pela frente, seu único desejo é morrer enquanto ainda é ela mesma, ainda tem sua dignidade e sem dor. Com Denise Fraga.
Crítica
Em O Velho e o Mar, clássico de Ernest Hemingway, quando ao protagonista parece não restar mais esperanças, ele afirma ter como desejo apenas “voltar à enseada e observar os leões brincando, como se nada mais importasse”. É um anseio onírico, sabidamente impossível, mas ainda assim capaz de propor conforto e acolhimento. Exatamente o que busca a protagonista de Sonhar com Leões, longa de estreia do cineasta português-italiano-norte-americano Paolo Marinou-Blanco. Nascido em Nova York, de família romana e criado em Lisboa, buscou na brasileira Denise Fraga a complexidade necessária para levar adiante uma história controversa e disposta a lidar com extremos. Em cena, uma mulher tão apaixonada pela vida que, na incapacidade de seguir desfrutando dessa em toda a sua abrangência, reconhece como única saída o término antecipado. O fim que sabe estar no caminho de todos, sem conhecimento de quando ou como, mas que está decidida a tomar para si. Cansada de sofrer pelas vontades do alheio, ambiciona assumir o controle do próximo passo a ser dado. Uma decisão tão simples, quanto assustadora, justamente pela obviedade que traz consigo, ao mesmo tempo em que se confirma rara e inusitada. Assim como esse filme, franco em sua abordagem e surpreendente tanto na praticidade que prega, como nas emoções – nem sempre conciliatórias, é fato – que provoca.
Tomada por um câncer que se mostra prestes a vencer uma batalha da qual há apenas perdedores, Gilda (Fraga, em domínio pleno de uma personagem capaz de ir do cômico ao trágico em questão de segundos) está cansada. Não quer mais lidar com médicos, com o marido, com falsas esperanças. Mais do que tudo, anseia pelo cessar da dor que a consome. Portanto, se revela convicta sobre o que fazer: vai se matar. Como a morte não lhe é mais um mistério futuro, mas uma realidade cada vez mais próxima, não lhe parece sensato ficar esperando, sem nada fazer a respeito. É o seu corpo, a sua história. É, enfim, absolutamente seu. Mas, como ela mesma chega a afirmar, morrer não é tão simples quanto alguns podem acreditar. Não basta estar vivo, portanto. É preciso definir como, de que forma, quando, e por qual método. Quem poderá ser implicado, como evitar sofrimento ainda maior, por qual procedimento encerrar tudo de forma rápida e segura? Ambientado em Portugal, o filme propõe uma discussão ainda insípida no Brasil – a eutanásia – mas que avança por quase toda a Europa, em círculos dedicados a estudar os prós e os contras desse debate. Alguns países, como a Suíça, permitem que seja feita de forma legal e assistida. Eis o caminho a seguir.

Mas veja bem, afaste de qualquer percepção a abordagem sóbria de Pedro Almodóvar em O Quarto Ao Lado (2024), por exemplo. O tom adotado por Marinou e, principalmente, por Denise Fraga, é o da comédia irônica, um tanto sem paciência, decididamente disposta a achar algum tipo de graça em meio a essa… desgraça pessoal. Ao ficar sabendo da existência de uma empresa que “ensina” pessoas na mesma situação que ela a cometer suicídio, Gilda pensa ter encontrado aquilo pelo qual há tanto tem procurado. Antes de ser apenas mais um golpe – uma mistura de coaching com terapias alternativas – ao menos essa distração lhe serve para conhecer Amadeu (João Nunes Monteiro, de Mosquito, 2021), um rapaz também disposto a tudo para acabar com aquilo que o consome por dentro, essa espera interminável que parece apenas adiar um desfecho do qual todos já tomaram ciência. Gilda e Amadeu se aproximam, e pela afinidade que descobrem, decidem se ajudar. Mas ele possui um segredo, algo forte o bastante não apenas para afastá-lo dessa conexão recém formada, mas também para mudar sua própria visão de mundo, de si e da existência que insiste em negar reconhecimento.
Exibido no 53º Festival de Gramado e logo em seguida lançado nos cinemas, Sonhar com Leões gerou controvérsia por onde passou, principalmente entre os inconformados com a abordagem leve e até mesmo despreocupada pela qual o filme se coloca diante de um tema tão espinhoso e propenso a ideias exaltadas. Tais reações confirmam uma verdade apontada no começo desse texto: o quanto esse assunto ainda é tabu no Brasil e o quão atrasado estão aqueles que por aqui se colocam a discorrer sobre o tema, mesmo que por meio de matizes tão superficiais e primárias quanto a que uma comédia possa alcançar durante uma sessão de cinema. Ninguém decidirá se matar apenas por assistir a um filme, e avisos de gatilho de mostram pontuais a qualquer um que estiver disposto a de fato refletir sobre a narrativa percorrida em cena. Eis, afinal, uma obra elaborada a partir da paixão pela vida e pelo prazer que essa proporciona quando tomada por completo. A negação em continuar por meio de paliativos é mais um apontamento sobre a importância do usufruto total do manter-se em pé e adiante e menos um descaso quanto à simplicidade de apenas se fazer presente. É mais, e Gilda sabe disso. Felizmente, em sua jornada de despedida, ainda conseguiu mostrar a Amadeu que desistir antes da hora é mais do que condenável: é um ato de desrespeito. Consigo, com os outros, e com tudo ao seu redor. Uma jornada não apenas de adeus, mas acima de tudo, de descoberta.
Filme visto durante o 53º Festival de Gramado, em agosto de 2025
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Grade crítica
| Crítico | Nota |
|---|---|
| Robledo Milani | 8 |
| Leonardo Ribeiro | 6 |
| Ticiano Osorio | 6 |
| Francisco Carbone | 6 |
| Alysson Oliveira | 6 |
| MÉDIA | 6.4 |

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