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Sinopse

Depois de ser amaldiçoado por uma bruxa no século 18, o lorde Barnabas Collins se transformou num vampiro. Confinado por dois séculos, ele se liberta em 1972 e tenta se adaptar às novas realidades de um mundo moderno.

Crítica

Em 1966 estreou na televisão americana um programa de televisão chamado Dark Shadows, sobre uma família exótica que contava entre seus membros com vampiros, lobisomens e bruxas. A grande questão, mais de 40 anos depois, é descobrir por que Tim Burton demorou tanto tempo para transformar essa trama em mais um dos seus curiosos longas-metragens? Afinal, é o mesmo diretor que adaptou contos de fada (Alice no País das Maravilhas, 2010), super-heróis (Batman, 1989), remakes de sucessos do passado (Planeta dos Macacos, 2001) e até musicais da Broadway (Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, 2007). E se todas essas fontes haviam lhe servido de inspiração, por que não um seriado televisivo que parece ter sido feito sob medida para o gosto dele? Talvez seja justamente essa demora o maior problema da versão cinematográfica de Sombras da Noite.

Nos seus primeiros filmes, Burton esbanjava originalidade e criatividade. Quem, hoje em dia, investiria tempo e dinheiro na cinebiografia do pior cineasta de todos os tempos (Ed Wood, 1994) ou numa sátira aos thrillers de invasões alienígenas (Marte Ataca!, 1996)? Pois ele fez não só estes, como também a hilária comédia sobrenatural Os Fantasmas se Divertem (1988) e o emocionante conto de terror Edward Mãos de Tesoura (1990), obras que fugiam completamente do convencional. Mas com o passar dos anos os repetidos sucessos foram criando uma zona de conforto, até que hoje ele é considerado um realizador singular, mas talvez preso demais aos próprios conceitos. E Sombras da Noite é exatamente isso: um filme que se esforça tanto em parecer uma “obra de Tim Burton” que termina por se distanciar desse objetivo original.

Não há absolutamente nada a ser dito em demérito ao visual de Sombras da Noite: tudo é perfeito e irretocável. O time completo do diretor está mais uma vez ao seu lado – do músico Danny Elfman ao editor Chris Lebenzon, passando pela oscarizada figurinista Colleen Atwood. A fotografia é encantadora, os cenários são deslumbrantes, cada vestido, casaco ou peruca parece ter sido posicionado justamente para encantar e surpreender. E todo esse cálculo afasta o espectador do essencial: a trama. Afinal, estamos falando de um vampiro que, após 200 anos enterrado, consegue se libertar com o desejo de vingança contra a bruxa que o aprisionou. No caminho, entretanto, ele se depara com seus descendentes, e esse choque de gerações é mais hilário do que assustador. Porém tudo é tão forçosamente artificial e exagerado que em nenhum momento nos pegamos surpreendidos.

Essa oitava parceria entre Tim Burton e o astro Johnny Depp reforça a sensação de desgaste já experimentada em Alice no País das Maravilhas. Como um dos próximos projetos do realizador provavelmente será um releitura de Pinóquio, contando com Robert Downey Jr. como protagonista, parece que o sentimento de um necessário afastamento está presente em ambos os lados da tela grande. Porém Burton, Depp e a sempre bela Michelle Pfeiffer (aqui como a atual matriarca da família, uma presença forte, mas sem grandes chances para brilhar) afirmam terem sido fãs do seriado, o que justifica essa última união.

Os Collins são apenas mais uma das tantas famílias disfuncionais americanas – com a diferença de que seu membro mais eminente (Depp) é um vampiro. Pfeiffer tenta colocar ordem, enquanto o irmão (Johnny Lee Miller) perde tempo bebendo e dormindo com as empregadas. A filha dela (Chlöe Grace Moretz), é a rebelde com um segredo, enquanto que o filho dele (Gulliver McGrath) segue falando com a mãe, apesar dela estar morta há anos. A psiquiatra da família é a Dra. Julia Hoffman (Helena Bonham Carter), enquanto que a bruxa inimiga contra qual todos se unem é a enigmática Angelique Bouchard (Eva Green). Foi ela que o amaldiçoou dois séculos antes quando foi trocada por outra paixão, e por não aguentar ver o amado nos braços de outra, transformou-o em um monstro sanguinário. Mas o terror é o de menos, e o tom geral da história é de ironia, apostando num humor negro que nem sempre funciona.

Sombras da Noite é, indiscutivelmente, um filme acima da média, ou como se costuma dizer, uma obra de autor. E justamente por isso seja tão difícil evitar um sentimento de frustração ao seu término, principalmente entre aqueles que muito bem conhecem o histórico dos envolvidos. Quando as expectativas estão lá em cima é quase impossível não se desapontar com uma ou outra coisa, mas o que aqui acontece é que passamos todo o desenrolar da trama esperando por mais, e esse diferencial nunca chega. Bonito, sombrio, colorido, e até mesmo divertido: dessa vez a visão única de Tim Burton conseguiu muito, menos ser original.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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