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Sinopse

Jovem herdeira de uma das famílias mais poderosas dos Estados Unidos, Isabel Amberson é pedida em casamento pelo impetuoso Eugene Morgan. No entanto, ela prefere se casar com o tedioso Wilbur Minafer. Anos depois, ao ficar viúva, ela recebe uma nova investida do antigo pretendente que atualmente é um rico fabricante de automóveis.

Crítica

No cinema, expectativas altas costumam ser uma armadilha. Principalmente quando se está fazendo um trabalho revisionista de um autor com tamanho talento e renome quanto Orson Welles. Hoje, temos consciência do gênio, sabemos da importância de seus trabalhos e do valor inestimável de suas principais obras. Por isso, talvez, Soberba sofra tanto em comparação com outros longas-metragens assinados por ele, como a obra-prima Cidadão Kane (1941) e o impressionante A Marca da Maldade (1958). Ao sabermos do alcance que Welles consegue atingir em seus filmes, a sensação de frustração ao assistirmos a um produto comum como este é inevitável.

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Curiosamente, em 1942, a opinião geral a respeito de Soberba foi positiva, com a produção sendo indicada a quatro prêmios da Academia, incluindo Melhor Filme. Lógico que isso não quer dizer muita coisa visto que, no ano anterior, Cidadão Kane saiu apenas com a estatueta de Melhor Roteiro no Oscar, tendo sido perdedor em outras oito categorias. Algo impensável observando em perspectiva, mas compreensível ao sabermos que a história de Charles Foster Kane não foi abraçada com entusiasmo pelo público e crítica à época, tendo ganhado força com o passar do tempo. O contrário pode ser observado em Soberba, que pode ter recebido este aplauso promissor de início, mas que não se sustenta como uma das obras definitivas de Welles com o passar dos anos. Muito da culpa disso recai no estúdio RKO. Welles havia concebido a adaptação do romance vencedor do Pulitzer assinado por Booth Tarkington como um drama intenso, melancólico, difícil. Com os primeiros cortes longos demais e não agradando às audiências-teste, a RKO tomou o filme para si e tosou a história, cortando de 135 minutos para apenas 88. Certamente, muito da intensidade que Welles pensava para seu filme ficou no chão da sala de edição – tarefa realizada pelo grande Robert Wise, que depois viria a dirigir clássicos como O Dia em que a Terra Parou (1951), Amor Sublime Amor (1961) e A Noviça Rebelde (1965).

O que sobrou foi um filme cambaleante. Bernard Herrmann, compositor da trilha sonora, por exemplo, se recusou a ter seu nome creditado por causa das edições não previstas em sua obra. Welles, que estava no Brasil enquanto a RKO mexia como queria em seu trabalho, teve de engolir o sapo sozinho. E ainda teve de saber que Wise e Fred Fleck rodaram um final feliz para seu filme, bem diferente do que havia imaginado inicialmente. Na trama, narrada por Orson Welles, conhecemos o mimado George Minefer (Tim Holt), sujeito que sempre viveu a vida da forma como quis através da riqueza de sua família. De volta para a casa depois de terminar os estudos, George se vê dividido entre o interesse pela jovem Lucy (Anne Baxter) e o ódio pelo pai da garota, Eugene Morgan (Joseph Cotten), que – mais tarde ele saberá – está tendo um relacionamento com sua mãe, Isabel (Dolores Costello). Este drama familiar tem como pano de fundo a ascensão dos automóveis e como isso minou diversos negócios estabelecidos na época. Soberba atesta o gosto de Orson Welles por protagonistas desprezíveis. Se em Cidadão Kane o personagem título não era lá muito agradável, nesta produção, o mocinho beira o insuportável. Sua arrogância mantém o espectador sempre distante. Não ajuda o fato de Tim Holt ser um ator extremamente limitado – e as boas performances de Anne Baxter e, principalmente, Agnes Moorehead ao seu lado só deixam mais claro este desnível. Esta última foi indicada ao Oscar por sua performance e tem uma das personagens mais interessantes do filme – uma mulher que vive à margem dos acontecimentos, almejando o homem de seus sonhos, sujeito este que só tem olhos para Isabel.

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Depois de ter chamado a atenção com seus enquadramentos fenomenais e o uso da profundidade de campo como nunca antes havia sido realizado em Cidadão Kane, Orson Welles é mais econômico em Soberba, ainda que tenha interesse em preencher a tela com o maior número de informação possível. Sem contar com o diretor de fotografia de seu filme anterior Gregg Toland, Stanley Cortez ficou com a incumbência e realiza um trabalho esmerado. Cheia de sombras e com personagens conscientemente abraçados pela escuridão, a fotografia de Soberba é tão lúgubre quanto o tom original da obra que Welles concebia. Sem a liberdade que precisava para completar seu filme, Orson Welles entregou um produto menor, muito aquém do seu genial talento. Ainda que tenha méritos aqui e ali, Soberba acaba sendo frustrante para o espectador que esperava algo tão brilhante quanto os trabalhos mais incensados do cineasta.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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