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Sinopse
Em Sirât, pai e filho chegam a uma rave nas montanhas do sul do Marrocos. Ambos estão em busca de Mar - filha e irmã - que desapareceu meses antes em uma dessas festas intermináveis. Cercados por música eletrônica e por uma sensação crua e desconhecida de liberdade, eles distribuem a foto da jovem repetidas vezes. A esperança vai se apagando. Suspense.
Crítica
“Caminho” ou “estrada”. Esse é o significado da palavra “sirât” em árabe. Porém, de acordo com o Islamismo, a mesma expressão pode adquirir um significado mais amplo. “Uma ponte sobre o inferno no Islã, pela qual os justos deve passar para chegar ao paraíso”. Ou seja, não se trata de uma simples travessia. É uma verdadeira provação, um percurso de provas, perdas e aprendizado. Tal qual o filme de Oliver Laxe. Muitos tem acusado Sirât de ser excessivamente perverso, de viés sadomasoquista, como se incitasse no espectador o pior de si na tortura e massacre de seus personagens. Bom, tal leitura só pode ser possível por meio de um completo desconhecimento do que representa o título em questão. A verdade é posta logo no chamado, como um aviso sobre o que virá a seguir. O não entendimento e o fácil espanto – e consequente repulsa – é nada mais do que ignorância e preconceito. O diretor tem na história proposta uma jornada de transformação, cura e desapego. Tanto na ficção, entre figuras que não reconhecem o quanto estão dispostos a perder a cada nova decisão, como também pelo realizador, que se vê tendo que abrir mão de elementos importantes em nome de uma mensagem mais profunda.
Luis (Sergi Lopez, novamente desaparecendo por detrás de um tipo já perdido desde sua gênese) é um pai em desespero. E, portanto, determinado a ser perdoado por seus pecados. Ele chega alegando estar à procura da filha desaparecida. No entanto, o filho caçula que o acompanha nessa busca irá revelar, momentos adiante, que a irmã não teria exatamente sumido. Ela apenas teria parado de responder as tentativas de contato com a família. Eles querem agora encontrá-la, mas com qual intenção? Reparar uma discussão antiga? Teria ela fugido por sua própria vontade, ou de fato levada por sequestradores ou contrabandistas humanos? Outro fato a ser observado: e a mãe, a qual ninguém se refere, qual seu papel nessa história? Os personagens estão em uma terra que o cinema está acostumado a retratar como selvagem, não civilizada, desprovida de qualquer cordialidade. Estão no Marrocos, em uma rave clandestina em meio ao deserto. A moça, portanto, é de se supor que seja uma adolescente ou jovem adulta capaz de tomar suas decisões. Mas o pai sente sua ausência, e está disposto a tudo para retomar esse contato. Até mesmo seguir um grupo de frequentadores dessas festas rumo a uma outra ainda mais secreta e distante. Para tanto, percorrer terras abandonadas e perigosas se fará necessária. O alerta é dado: pai e filho não conseguirão percorrer o trajeto no veículo que estão e com as condições que dispõem. Ainda assim, está decididos a tentar. O preço por essa teimosia não tardará a ser cobrado.

Mas se de um lado estão familiares que anseiam ser mais uma vez completos, do outro estão desgarrados unidos em uma conjunção alternativa, porém não menos verdadeira. Não por acaso alguns já deixaram partes pelo caminho – um deles possui uma prótese no lugar da perna direita, outro perdeu o braço esquerdo. Se tornam inteiros, portanto, enquanto ligados uns aos outros. Aos poucos, o homem e o menino começam a fazer parte do cenário. Mas os sinais não tardam a se manifestar. Um cruzamento pelo rio parece ser o fim, mas a ajuda virá na contramão. O cão de estimação aparece doente, mas o abatimento será passageiro. A gasolina pode acabar a qualquer momento, a comida precisa ser racionada. Num todo cada vez mais limitado, não demorará para que eles mesmos tenham que se ver obrigados a abrir mão de si para seguirem adiante. Quando a tragédia enfim se introduz, voltar atrás não será mais possível. É preciso ir em frente. Até que não sobre mais ninguém. Ou, pelo contrário, até que os resistentes encontrem, enfim, a paz que nem sabiam tanto necessitar.
Oliver Laxe não minimiza nenhum dos efeitos das ações expostas no decorrer dos eventos verificados em Sirât. O querer inicial é não mais do que um macguffin, dispositivo apresentado apenas para que a trama aconteça, por mais que atingi-lo ou não se mostre progressivamente algo que vai perdendo importância. Em meio a uma volta aos instintos primários, manter-se com a cabeça erguida será a diferença entre a vida e a morte. Tal qual os colonizadores que hoje pagam por suas agressões do passado, ou os colonizados, que tanto perseveraram até retomar o que deles era por direito. Há possibilidades distintas de leitura, tanto no plano mais imediato, como nos reflexos que apontam para séculos de invasões e destruição contínua de povos e culturas. Se antes o tempo tomava gerações, agora essa separação pode estar em um passo ou no estalar de uma armadilha há muito esquecida. Eis, portanto, um discurso do qual nem todos terão estômago para se manterem atentos até o inevitável desfecho. Mas que permanecerá latente, pois fato é que sua urgência não será dissipada num estalar de dedos. Essa é contínua, e não pode ser ignorada.
Filme visto durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema de SP, em outubro de 2025
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