Crítica

Um filme sobre crianças e os adultos que as agridem. Foi a partir desta definição que Destin Cretton apresentou em 2008 seu curta-metragem Short Term 12, drama ambientado numa casa de cuidados para órfãos que venceu importantes prêmios em festivais norte-americanos – Sundance, Boston, Seattle e Chicago, para citar alguns. Com um material evidentemente especial em mãos, Cretton não se contentou com a duração de sua obra original e decidiu expandir aquele universo neste longa-metragem homônimo, que se tornou um dos maiores êxitos da cinematografia indie recente.

Pense em todos aqueles dramas pretensamente edificantes sobre a relação entre adultos e adolescentes problemáticos e as transformações derivadas desses encontros. Recorde também dos filmes que dedicam análises sobre os valores morais trocados entre diferentes gerações, frequentemente situados em ambiente escolar, repletos de mensagens e lições de vida. Agora esqueça-os. Ao vagar por questões existencialistas sem necessariamente encontrar suas respostas, Short Term 12 (2013) revitaliza o subgênero e está mais próximo de O Mundo de Leland (2003) do que de Encontrando Forrester (2000). Mais perto de Half Nelson: Encurralados (2006) e O Substituto (2011) do que de Sociedade dos Poetas Mortos (1989).

No lar que dá título ao filme, um grupo de adolescentes em situação de vulnerabilidade social é amparado enquanto aguarda por uma possível adoção ou mudança para outra instituição semelhante. Seus principais tutores, liderados por Grace, parecem superficialmente fortes e determinados, porém intimamente estão tão fragilizados quanto aqueles em seus cuidados. A própria Grace, que carrega no nome um estado de espírito que evidentemente procura, se esconde de um passado cruel enquanto enfrenta uma gravidez indesejada e dificuldades no longo relacionamento com seu afetuoso colega de trabalho, Mason.

Diferentemente de seus colegas, Grace também tem que arcar com o peso de uma adolescência traumática, semelhante àquelas com as quais convive diariamente. Assim, suas próprias experiências se tornam estratégias para lidar com jovens que sofreram abusos físicos, psicológicos e até sexuais. Short Term 12 não é irresponsável ao retratar tal universo sob uma perspectiva superficial ou apelativa; este equilíbrio do filme é justamente o que cria uma atmosfera inquietante, por vezes incômoda para o espectador, que eventualmente passa a dividir com a protagonista todas as agruras de seu cotidiano.

No ano em que Meryl Streep e Amy Adams concorrem ao Oscar por performances no mínimo razoáveis, Brie Larson poderia ocupar a vaga comumente destinada a protagonistas femininas de filmes “pequenos” – posição que acabou ficando com Judi Dench por Philomena (2013). Sua Grace parece implorar por um abraço e rapidamente enche o espectador de compaixão, e, num ritmo contido, permanece longe da caricatura ou melodrama. Vista recentemente como a excêntrica irmã do Don Jon de Como Não Perder Esta Mulher (2013) e também num papel menor no ainda inédito The Spectacular Now (2013), a jovem de 24 anos deveria dividir o título de musa indie norte-americana com Greta Gerwig (Frances Ha, 2013).

Decidido a um retrato realista e íntimo, Destin Cretton revela em seus planos fechados a dor pungente daqueles que apresenta. Em duas cenas específicas ele constrói momentos dilacerantes e muito bem escritos: quando a problemática Jayden lê um conto metafórico sobre a amizade entre um polvo e um tubarão para Grace e quando o melancólico Marcus canta um rap para Mason. Kaitlyn Dever e Keith Stanfield, no papel desses jovens, são duas outras grandes revelações de um elenco singular.

Cretton não era iniciante no universo audiovisual ou na direção de um longa-metragem; seu drama musical I am Not a Hipster (2012), que investiga o cenário musical e artístico de San Diego, teve ótima repercussão no circuito independente estadunidense e colocou o cineasta no holofote dedicado a novos e promissores realizadores. Com Short Term 12, vencedor do prêmio da audiência no Festival SXSW e indicado ao Independent Spirit Awards, ele atinge o raro feito de orquestrar uma obra exitosa em roteiro, personagens e atuações; eficaz em forma e conteúdo.

Com uma câmera tremulante, somada à direção de fotografia naturalista de Brett Pawlak e à edição de Nat Sanders, a proposta realista e comovente do diretor e de seu enredo é reiterada a cada nova sequência. O resultado é este belíssimo e importante filme, de temas tão contemporâneos quanto universais, que ilustra que estes tipos desprestigiados – sejam os adolescentes ou aqueles responsáveis por eles – funcionam muito melhor quando descobrem um no outro o amor e suporte que lhes foi negligenciado por todas suas vidas.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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