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Sinopse

Renee, uma mulher comum, luta diariamente com sua insegurança. Depois de cair de bicicleta e bater a cabeça, ela de repente acorda acreditando ser a mulher mais capaz e bonita do mundo. E com isso começa a viver a vida mais confiante e sem medo das falhas.

Crítica

A protagonista de Sexy por Acidente é insatisfeita com seu corpo. Fora do padrão estético socialmente entendido como ideal, Renee (Amy Schumer) trava uma guerra contra a balança, não encontrando autoestima suficiente para escapar às pressões que infelizmente recaem sobre as mulheres. Ela sonha em ser recepcionista na corporação de cosméticos à qual presta serviços online, mas se acha pouco apresentável para tanto. Assim, o longa-metragem dirigido por Abby Kohn e Marc Silverstein tem a faca e o queijo na mão para, ainda que comicamente, debater modelos e expectativas relacionadas ao universo feminino. O faz superficialmente. Canhestramente, na verdade. O problema gritante é o discurso, a maneira como se desenha o percurso dessa adulta que, após um acidente na aula de spinning, passa a literalmente ver-se de um jeito distorcido, acreditando que possui corpo de beldade, o que lhe devolve o amor-próprio. E isso não é necessariamente uma coisa boa se notarmos que, por sentir-se maravilhosa, ela se autoriza a ser bastante escrota com os demais.

É acintosa a forma como a narrativa se apoia nos preconceitos aos quais supostamente demonstra uma atitude crítica. Tão logo se ache sensual como nenhuma outra garota do pedaço, ela exibe atitudes completamente corrompidas, sendo ora negligente, ora excessiva com as amigas de longa data. Tal mudança opera em função da conveniência, absolutamente previsível, de criar o cenário a ser modificado adiante por um aprendizado, em tese, profundo. Mas, a maior contradição é a construção dos dispositivos essencialmente cômicos. O comportamento exagerado de Renee a leva a cometer atos bisonhos, ridículos num sentido claro e evidente. Por se achar "a última bolacha do pacote”, ela sobe no palco para participar de um concurso de biquínis, por exemplo. A situação oportuniza piadas gordofóbicas (algumas evidenciadas pela câmera), corroboradas pelo tratamento dos realizadores que, de certa maneira, justificam a zombaria, criando um alvo fácil. Esse reforço dos estereótipos acontece para pretensamente gerar momentos engraçados, mas é grosseiro.

Sexy por Acidente mostra a protagonista ganhando autoestima artificialmente, não como parte de um processo de aceitação do próprio corpo, de relativização dos ideais apregoados, inclusive, pela empresa em que trabalha. Mesmo o discurso motivacional que fecha o filme, a despeito do conteúdo inspirador sobre a urgência das mulheres descobrirem sua força interior, está condicionado às vitórias. Renee tem alterada a sua percepção, não porque finalmente entendeu o motivo da angústia, mas por perceber que pode vencer, até no mundo competitivo da beleza, sendo quem é. Cair em si está ligado ao êxito, sendo, portanto, umbilicalmente subordinado aos ditames da coletividade que oprime os “despradronizados”, sejam física ou profissionalmente. Há uma tentativa de contornar tudo no fim das contas com um teor edificante. A protagonista escolhe o caminho certo, valoriza as pessoas que de fato importam, mas é tarde demais, principalmente após a pavimentação do caminho marcado pelos contornos que deveria combater.

Amy Schumer é uma atriz de recursos, que consegue ser divertida e ainda gerar uma fina camada de melancolia. Seu trabalho aqui é menos escrachado, porque há a premência de expor uma dimensão frágil. Ainda no que tange às atuações, Michelle Williams, como a herdeira do império cosmético que possui uma voz esganiçada, é outro acerto, embora sua personagem passe muito longe de ser uma excluída em virtude do timbre, como o roteiro quer nos fazer acreditar. Renee encontra príncipes encantados, percebe que o amor reside naqueles que a celebram como ela é, não a sua aparência, e recupera o afeto das amigas. Forma-se o pacote completo de chavões que sequer estão a serviço de uma mensagem destituída de ruídos significativos. Abby Kohn e Marc Silverstein reforçam preconceitos ao longo do filme, apenas os atacando na epiderme, mas fazendo da protagonista um alvo direto de observações alheias não problematizadas. Sexy Por Acidente (o título brasileiro reitera os equívocos da abordagem) dissimula, mas não esconde sua tortuosidade conceitual.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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