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Sinopse

Depois da passagem do cometa Halley pela França, os cidadãos parisienses sofrem as consequências: além do forte calor, eles devem conviver com um vírus se alastra pelo país, matando todas as pessoas que fazem sexo sem amor. Dois grupos rivais brigam para conseguir isolar o vírus e preparar uma vacina contra esta nova doença.

Crítica

Numa França futurista imaginada por Leos Carax em 1986, existe um vírus que mata pessoas apaixonadas. O único antídoto conhecido está por trás de um enorme esquema de segurança, num laboratório conceituado. É quando Marc (Michel Piccoli) e Hans (Hans Meyer) decidem roubar a vacina para pagar uma dívida com uma poderosa senhora americana (Carroll Brooks). Para a missão, contratam Alex (Denis Lavant), um prestidigitador e ventríloquo que se apaixona pela garota de Marc, Anna (Juliette Binoche).

A trama, intrincada e complexa, parece ter saído de um filme da Nouvelle Vague. Não é à toa. Carax quis que seu Sangue Ruim fosse uma grande homenagem ao cinema de seu país e conseguiu. O longa traz referências claras a Acossado (1960), Os Incompreendidos (1959) e Jules e Jim (1961). Além disso, há qualquer coisa na forma de filmar, nos jump-cuts e nos diálogos esquisitamente filosóficos que não deixam engano: o filme tem conexões fortes com Godard e companhia.

Mas a forma como o diretor articula essas referências com seu elenco e seu próprio estilo acabam criando algo bem mais interessante, talvez um dos grandes momentos do cinema francês. E agora, o público brasileiro de algumas capitais pode conferir esse feito nas telonas, já que o filme chega por aqui em cópias restauradas, pela primeira vez desde seu lançamento, em 1986. Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

É interessante, por exemplo, ver Binoche novinha, num papel quase inocente, de "mocinha boba", mas que ao mesmo tempo está imersa num contexto de crime e corrupção. Denis Lavant, sempre brilhante no uso do seu corpo em prol do cinema, dá um de seus típicos shows, com cara e jeito de moleque, revestido por uma aura francesa típica. Até Julie Delpy entra na história, como uma ex-namorada do protagonista de 16 anos que resolve correr atrás de seu amado na "última hora".

Outro ponto forte é perceber a forma como Carax brinca com convenções do cinema de gênero, desconstruindo-as e justapondo-as a seu bel prazer. As brincadeiras mais óbvias, é claro, são com o cinema de espionagem e o romântico, aqui colididos de forma quase completa.

Aliás, o filme, como sugere seu roteiro pela própria existência do tal "vírus do amor", é justamente sobre isso: o perigo de amar de verdade. E, como Carax está brincando com vanguardas, também se fala no "perigo" de fazer cinema de verdade, talvez o único amor possível na visão do diretor. Não é por acaso, por exemplo, que a credora da gangue francesa é americana. Ou que os clichês de gênero remontem a obras de Hollywood, enquanto os românticos dialoguem com a cultura francesa.

Enquanto discute estética e influências culturais com a forma, Carax preenche seu conteúdo com poesia e deleita o espectador com pérolas cinematográficas, uma delas inclusive homenageada quase que na íntegra no recente Frances Ha (2012) - a cena acontece quando Alex corre desesperado pelas ruas durante a madrugada ao som de Modern Love, de David Bowie.

Incluindo outras brincadeiras visuais (como o uso predominante das três cores primárias nos figurinos e cenários), Sangue Ruim é o tipo do filme que, quando se assiste, só é possível se perguntar como foi possível não tê-lo visto até então. Na sessão que estive, inclusive, aplaudiram o filme. 28 anos depois da sua estreia original.

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é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
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