Rua do Pescador Nº6

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Sinopse

Rua do Pescador Nº6: À medida que as águas das enchentes no Rio Grande do Sul vão baixando, as memórias de muitas vidas emergem, trazendo a certeza de que nada mais será o mesmo. Uma pequena equipe de técnicos do audiovisual gaúcho, alguns também afetados pela tragédia, saíram em busca de histórias e memórias. Documentário.

Crítica

Já faz algum tempo que Bárbara Paz vem deixando sua marca como realizadora. Desde os curtas lançados nos anos 2000, passando pelo premiado Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou (2019), ela imprime às suas narrativas um modo muito próprio de ver a interpretação. Silêncio, lirismo, sentimentos que precisam ser vividos e causas que exigem atenção. Em Rua do Pescador Nº6, ela condensa tudo isso para elaborar registro corajoso de mal que não dá sinais de desaparecer tão cedo.

Rua do Pescador Nº6

Em maio de 2024, quando o Rio Grande do Sul enfrentava sua pior enchente desde 1941, Bárbara reuniu um grupo de profissionais do audiovisual e voltou seu olhar à região das Ilhas, em Porto Alegre. Foi ali que inúmeras famílias viram suas histórias se diluir com a correnteza. Construções de vida que jamais voltarão a ser como antes são observadas com atenção e sensibilidade por quem assumiu a condução desta empreitada.

O título escuta seus retratados por meio de abordagem estética que, mesmo poética, não se esquece da missão a que se propõe. As camadas se fundem, sem hierarquia, para relatar a tragédia. Destaca-se a fotografia delicada de Bruno Polidoro, em preto e branco e na proporção 4:3, quase como quem deseja comprimir a dor para intensificá-la. A montagem de Renato Vallone também é essencial para essa flutuação entre subjetividade e documentação.

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Não há espaço para esperança fácil. Tudo é feito para causar incômodo. Trata-se de denúncia que escancara destinos arruinados, paisagens devastadas e animais em estado de alerta. Uma das escolhas mais contundentes é a justaposição entre imagens de 2024 e registros de 1941, que funcionam como aviso visual: “nada garante que o amanhã será melhor“. A semelhança é tanta que, em alguns momentos, o que mais muda entre os tempos são apenas as vestimentas dos fotografados.

Porém, em relação ao retrato proposto, cabe apontar que a ausência de contraponto investigativo limita parte do impacto. Ouvir quem sofre é generoso, é claro. Mas por que não também questionar quem detém responsabilidade? Talvez não houvesse espaço. Aqui, há apenas quem precisa – e merece – falar: o povo que sente, resiste, segue. Gente que enfrenta a vida, em vez de apenas atravessá-la sob a sombra do privilégio.

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Ao fim, é como se Bárbara devolvesse ao público carta engarrafada por mãos anônimas, resgatada do meio da enchente. Uma confissão coletiva marcada por perdas, ausência e permanência. Como em seus trabalhos anteriores, ela se entrega à escuta do invisível, tornando visível o que insiste em ser ignorado. E o faz sem alarde, como quem sabe que há dores que só se revelam quando o tempo amolece a tragédia.

Filme conferido no Bonito CineSur: Festival de Cinema Sul-Americano 2025;

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]

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