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Sinopse

Nelson é um jovem jornalista casado com Maria. Um dia, o rapaz passa a presenciar estranhas experiências e é convencido por seu vizinho, um velho cientista, de que tais acontecimentos estão ligados a viagens no tempo. Maria, por sua vez, descobre por meio de um diário de bordo que há uma conexão atemporal entre eles.

Crítica

Rio Mumbai parte de um argumento mais ou menos batido. O protagonista é Nelson (Pedro Sodré), jornalista cujo maior problema é uma profunda crise existencial. Ele não encontra felicidade no trabalho, ainda que se considere “o melhor profissional” do escritório que faz vista grossa a seus constantes atrasos e falta de motivação. Tampouco vê graça em retornar para casa, grande parte por conta do naufrágio do casamento com Maria (Clara Choveaux). A narrativa é oriunda de um diário confessional que ele envia da Índia à sua outrora esposa, no qual conta uma trama fantástica que envolve viagens no tempo, projeções astrais e toda sorte de elementos instaurados no limiar entre o científico e o místico. Portanto, o longa-metragem dirigido por Gabriel Mellin e Pedro Sodré (o ator principal também é roteirista) se insere num filão pouco explorado pela cinematografia brasileira, chegando a exibir momentos de visível e curiosa ousadia. Estes estão bem mais presentes no plano do enredo que necessariamente no das técnicas, tanto de roteiro quanto de encenação. O conjunto é irregular.

Embora certas questões possam ser atreladas ao imponderável – como o motivo de Nelson ser uma espécie de eleito que atinge rapidamente a iluminação e a capacidade espiritual ostentada –, elas precisam atender a uma lógica, nem que seja a interna. Não é sempre que em Rio Mumbai as conjunturas se dão num campo sólido o suficiente para evitar a instauração da descrença. Por um lado, há o roteiro esforçado, até dado ponto bem-sucedido, sobretudo ao lidar com elementos absolutamente voláteis, como as linhas temporais e os desdobramentos de prováveis alterações no continuum. Por outro, determinadas escolhas denotam fragilidades, como a diferença, às vezes gritante, de textura entre os planos de uma mesma cena. Isso ocorre principalmente na viagem à Índia, em que há um malabarismo danado para apresentar o personagem em situações obviamente desprovidas da presença do ator. Os realizadores filmam o estrangeiro como que documentando o espaço, inserindo a figura de Nelson circunstancialmente, incumbindo a montagem de gerar a ilusão da total integração.

Depois da primeira metade do enredo, que consegue capturar a atenção e nos fazer criar empatia, especialmente, pelo protagonista, Rio Mumbai mergulha profundamente em sua veia esotérica. Nada de errado com tal guinada, não fosse um deslumbramento quase religioso por teses como a obtenção da felicidade por meio da meditação, construídas com um excesso de contraluzes, paisagens bucólicas, raios solares “invadindo” o quadro para expressar a proximidade do clareamento do caminho de Nelson, entre outras coisas. Pontuais erros de continuidade também depõem contra o todo, sendo exemplar disso o excerto em que Maria adormece lendo os relatos do amado, acordando logo depois já com uma garrafa de água na mão. Pode parecer um deslize menor, mas, somado a instantes de semelhante desleixo com os detalhes, cria uma sensação incômoda que eventualmente nos desvia do principal. No que tange a, talvez, o mais complexo, exatamente as idas e vindas explicadas ora pela astrofísica, ora por gurus indianos que apontam a melhor ocasião para meditar, tudo transcorre relativamente bem.

A história de amor, essencial para consolidar a ligação evidenciada pela leitura do relato de Nelson por Maria, não se impõe como verdadeiramente importante. Aliás, a personagem feminina serve somente como apêndice da jornada masculina que, inadvertidamente, começa na infância do garoto praieiro que conhece Alberto (Bruce Gomlevsky), estudioso expulso da academia por supostamente ter ideias demasiadamente avançadas (sim, já vimos esse filme inúmeras vezes). Rio Mumbai deve ser celebrado por sua bem-vinda petulância de buscar estradas diferentes, de tangenciar a ficção científica, mesclando-a, ainda que inconstantemente, com o transcendente. Infelizmente, a falta de uma encenação mais inventiva e sólida, que realmente dê conta de amplificar as potencialidades do roteiro, vai minando as qualidades do filme, jogando contra. No que concerne às interpretações, somente Sodré e Gomlevsky possuem espaço suficiente para evadir as divisas do básico, e o fazem relativamente bem, não se podendo dizer o mesmo de Choveaux, bastante subaproveitada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Edu Fernandes
5
MÉDIA
5.5

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