Crítica

Raul Seixas foi um dos maiores nomes do rock nacional, indiscutivelmente. Ele morreu há mais de vinte anos, e ainda hoje é reverenciado, suas músicas seguem fazendo sucesso e a quantidade de covers, tributos e demais homenagens que surgem anualmente em seu nome são impressionantes. Era curioso, portanto, perceber que não havia sido feito um documentário que respeitasse e reverenciasse essa importância. Bom, essa falha, felizmente, não existe mais. Raul: O Início, o Fim e o Meio é uma obra bastante interessante, um trabalho digno e bastante completo, que abrange com grande amplitude toda a trajetória do polêmico músico. Temos um resultado que deverá agradar à gregos e troianos. E se não decepciona, é certo também que não deverá surpreender ninguém.

Dirigido por Walter Carvalho, premiado fotógrafo de obras tão diversas quanto Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987) e Central do Brasil (1998), Raul: O Início, O Fim e o Meio conta ainda com os talentos de Leonardo Gudel (também roteirista) e Evaldo Mocarzel, ambos co-diretores. Essa trinca deve ter sido fundamental para a pesquisa feita e aqui apresentada, que foi atrás de praticamente todo mundo que teve algum significado na vida de Raul Seixas. Isso é muito bacana, pois são ouvidos desde as pessoas mais importantes – a mãe, o irmão, os principais companheiros, as esposas – como outras que pouco acrescentam além de uma nota de rodapé, como o ator Daniel de Oliveira ou o jornalista Pedro Bial. É tudo tão abundante e haviam tantos caminhos a serem seguidos, no entanto, que a impressão que se tem é que cada decisão deve ter sido tão discutida que, na tentativa de contentar a todos, o longa acabou sem personalidade. Está tudo lá, assim como estaria em um especial de televisão ou em qualquer outro audiovisual protocolar. Faltou o toque autoral que faria toda a diferença.

Walter Carvalho tem se aventurado nos últimos anos como cineasta. Como não é bobo nem nada, tem se apoiado sempre em outros profissionais mais experientes, como João Jardim (em Janela da Alma, 2001) ou Sandra Werneck (em Cazuza: O Tempo Não Pára, 2004). Seu único trabalho mais autoral, até o momento, foi o equivocado Budapeste (2009), baseado na obra de Chico Buarque. Percebe-se, portanto, que fez bem em chamar os colegas para ajudá-lo nessa árdua tarefa de levar a vida de Raul Seixas às telas. O problema, no entanto, é que entre tantas opiniões fica complicado decidir por conta própria. E é o que aqui se verifica. Há fatos importantíssimos, como as parcerias com Claudio Roberto e com Marcelo Nova, que são abordadas muito superficialmente, enquanto que a relação com Paulo Coelho é esmiuçada até virar anedota. Os relacionamentos amorosos também são mostrados sem muita profundidade – quantos filhos Raul teve? E quantas esposas/companheiras? – numa sequência de depoimentos que revela que estão todas (ou ao menos a maioria) lá, mas como foi o processo entre cada uma delas? A doença que o levou antes dos 50 anos, a vida em família, os amigos, os sucessos... a ânsia em abranger o máximo possível é saciada, mas perde-se tempo demasiado em detalhes e, com isso, vai-se também o foco no que de fato importaria: a música e seu significado.

Raul: O Início, o Fim e o Meio é um excelente filme para quem nunca – ou muito pouco – ouviu falar em Raul Seixas. Se sua missão e intenção principal é apresentar o artista a uma nova geração que o conhece apenas pelo grito de guerra “toca Raul!”, sem ter até então uma ideia muito exata do que isso significa, então é bem possível de se afirmar que a proposta é, sim, bem sucedida. Agora, fãs e contemporâneos certamente terão muito pouco a acrescentar em seus repertórios de referências. É competente, como um trabalho de casa bem feito. Mas lhe falta rebeldia, originalidade, ousadia. Ou seja, é o tipo de filme que certamente o próprio Raul dormiria no meio – ou pior, abandonaria a sala, procurando algo melhor para ocupar seu tempo. Pois não há nada pior do que sucumbir ao personagem, buscando tanto o olhar dele que, inevitavelmente, ele acaba se perdendo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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