Crítica

Rânia tem apenas 16 anos. Como qualquer adolescente normal da sua idade, não sabe muito bem ainda o que quer da sua vida. Ela gosta de dançar, mas também sabe que será somente através do trabalho que conseguirá ganhar o seu próprio dinheiro. Tem consciência de que suas opções não são muitas, e os exemplos que tem ao redor também não são os mais variados. Não tem muitas esperanças no amor, sabe que os empregos tradicionais podem lhe matar antes de lhe recompensarem à contento, e percebe que somente saindo do cenário onde se encontra é que poderá alçar sonhos mais altos. Mas como focar no amanhã quando o hoje é tão urgente?

Isso tudo está em Rânia, e também em Rânia, belo e sensível trabalho de estreia em ficção de Roberta Marques. Também co-autora do roteiro ao lado de Luisa Marques, sua irmã. Roberta e Luisa, aliás, possuem outras duas irmãs e mais um irmão. Das quatro meninas, duas eram bailarinas. Foi daí, acompanhando os espetáculos e a natural veia artística da família, que surgiu a inspiração para este longa-metragem. A arte, aqui e na ficção, surge e se impõe como um elemento transformador. A protagonista em questão, por exemplo, espera que com seu talento consiga não apenas flutuar, mas também voar. Ir para longe, como uma rota de fuga para uma realidade melhor e mais acolhedora. Ela é livre, mas não sabe. Sente-se presa, como se a felicidade estivesse em um outro lugar que não ali, consigo. O que não percebe é que enquanto seguir acreditando nisso, não importa onde estiver, a insatisfação permanecerá.

Rânia, vivida com muita segurança pela novata Graziela Felix – escolhida após uma rigorosa seleção – é a filha do meio de um casal já desfeito. O pai, pescador, passa os dias na beira da praia, sem nunca retornar à casa. A mãe, costureira, está sempre envolvida com as lidas domésticas e com o serviço constantemente atrasado. O filho mais velho diz que é sério, trabalhador, mas pensa apenas em si e busca sua própria saída. O mais novo, inconsequente, não dá satisfações e vive somente o agora. Cabe à ela, a moça da casa, equilibrar responsabilidades e sonhos, tudo numa mesma balança. Seu dilema: ir dançar à noite numa boate em busca da independência imediata ou investir na aula de balé contemporâneo, uma atividade que não lhe promete nada, mas lhe oferece portas que podem lhe levar para muito além do estreito horizonte ao qual está acostumada.

Bastante semelhante em forma e em conteúdo às elogiadas produções pernambucanas que tanto sucesso fizeram na temporada de festivais no ano passado, Rânia, no entanto, vem um pouco mais do norte. Trata-se de uma produção 100% cearense, filmada inteiramente em Fortaleza. Do elenco, o único nome mais conhecido é o de Mariana Lima (vista há pouco no irregular A Busca, 2013), que mais uma vez entrega uma performance competente e discreta. Ela entra em cena como a coreógrafa que representa a possibilidade de ir mais longe. Mas conseguirá Rânia se desfazer das amarras às quais imagina estar presa? Os exemplos – do pai, da mãe, dos irmãos, das amigas – falam tão forte, que conseguirá aquela estranha mudar toda a forma daquela garota ver a vida? As respostas não são fáceis, e nem cabe aos outros buscar pelas soluções. O questionamento vem de dentro, e quando isso acontece ele sempre fala mais alto.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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