Quinografia

Crítica


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Sinopse

Quinografia: Revela, por meio de imagens inéditas, o universo íntimo e criativo de Quino. O documentário percorre sua trajetória, os vínculos afetivos e os cenários marcantes que moldaram a vida e a obra do ícone argentino que criou ninguém menos que a Mafalda. Documentário.

Crítica

Há projetos que, à primeira vista, parecem simples. O acesso está ali, generoso e inédito: um gênio que revolucionou a linguagem das tirinhas abre as portas de sua vida, disposto a narrar com leveza e franqueza os bastidores da própria trajetória. A tentação seria grande – e compreensível – de apenas registrar sem pensar, de conduzir sem interferir. No entanto, Quinografia sabe que tocar uma história já consagrada exige delicadeza e inteligência. O resultado não se constrói a partir de arroubos, mas de reverência silenciosa e cuidadosa, que honra a complexidade do personagem sem aprisioná-lo.

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Na tela, quem nos guia é ninguém menos que Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino. Desde os primeiros traços soltos até a consolidação de estilo inconfundível, sua jornada profissional se confunde com a própria evolução do pensamento latino-americano. As entrevistas, conduzidas com naturalidade, revelam artista que nunca se escondeu atrás do humor, mas o utilizou como lente de ampliação do mundo. É raro encontrar alguém tão acessível e, ao mesmo tempo, tão profundo. Quino foi isso: generoso sem jamais ser raso.

Essa matéria-prima riquíssima poderia ter sido sufocada por aparato formal excessivo – mas não é o caso. Federico Cardone e Mariano Dosono compreendem o lugar que ocupam e, por isso, se retiram de cena sempre que necessário. Permitem que a voz do homenageado ecoe livremente, ora em depoimentos emocionantes, ora em trechos de suas criações, que se impõem com naturalidade. Há, aqui, consciência de linguagem que evita o didatismo e aposta em sugestões visuais e pausas significativas, portanto, trabalho mais interessado em observar do que em explicar.

O percurso da obra inclui memórias doces e episódios marcados pela angústia. A ditadura, a censura, o exílio e as dores pessoais surgem entremeadas à alegria do reconhecimento e ao poder transformador do desenho. Ainda que figuras como Pepe Mujica, o papa Francisco ou líderes indígenas brasileiros sejam constantemente revisitadas pelo audiovisual contemporâneo, Quino surge como presença menos explorada, porém igualmente vital. Seu olhar humanista, seu compromisso com a ética e sua ironia afiada fazem dele pensador essencial da América do Sul, esse pedaço tão singular de “fim de mundo”.

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Ao final, Quinografia se revela encantador não por grandiloquência, mas pela capacidade de traduzir, com honestidade, a essência de seu personagem. E nesse ponto, o diálogo com Mafalda é inevitável. A menina inquieta, que questionava o mundo com inteligência e ironia, reaparece aqui não apenas como personagem, mas como reflexo da alma de seu criador. Tal como a obra que a consagrou, o título dirigido por Cardone e Dosono nos convida a pensar – e, sobretudo, a sentir. Afinal, há perguntas que seguem ecoando, e nenhuma delas exige resposta imediata, só escuta.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]
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