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Sinopse

Órfão de uma prostituta expulsa do bordel no dia em que ele nasceu, Querô é criado pela dona do prostíbulo. Revoltado com os maus tratos sofridos, ele começa a cometer pequenos delitos na adolescência. Um dia, ele é pego pela polícia e enviado a uma unidade carcerária, episódio que muda sua vida.

Crítica

Baseado no conto Querô - Uma Reportagem Maldita, de Plínio Marcos, Querô marca a estréia na direção de um longa-metragem de ficção do até então documentarista Carlos Cortez. Amigo do dramaturgo criador de enredos clássicos da periferia paulista como Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja, Cortez afirma ter sido abençoado pelo próprio Marcos, que teria confiado nele a adaptação para o cinema desta história que se aproxima de outra obra referencial dentro da cinematografia brasileira: Pixote: A Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco. A diferença está no tom assumido pelo discurso, tanto dentro da trama quanto, principalmente, fora da tela, agora mais esperançoso, mesmo que continue trágico.

'Querô' é o apelido recebido pelo menino cuja mãe prostituta se suicida banhada em querosene. Criado muito a contragosto pela dona do prostíbulo, assim que se sente 'grande o suficiente' - mas ainda uma criança! - decide fugir para tentar a vida nas ruas, sozinho. Tal decisão acaba levando-o para a Febem, onde uma experiência traumática - é currado por quase uma dezena de adolescentes - faz com que a revolta dentro dele cresça de modo incontrolável. A fuga mais uma vez se faz urgente, assim como a volta às más companhias, os amores perdidos e a carência latente.

Filmado na região de Santos, SP, Querô conta com mais de 40 garotos da região nos papéis principais. Os únicos atores profissionais aparecem em pequenas participações, como Maria Luísa Mendonça (sempre entregue e visceral), como a mãe que o abandona, Ângela Leal, a dona do bordel, Ailton Graça (numa boa composição) e Milhem Cortaz (Tropa de Elite), como o coordenador da Febem. A história em si está nas costas dos meninos, que desempenham com louvor a função que lhes compete. Mas o maior mérito mesmo parece ter sido a escolha do protagonista, Maxwell Nascimento. Em todos os festivais que o filme participou ele acabou ganhando o prêmio de Melhor Ator! Foi assim em Brasília (ganhou ainda Melhor Roteiro, Som e Direção de Arte), no Ceará (escolhido também Melhor Filme e Edição), em Cuiabá (o grande vencedor, premiado ainda como Melhor Filme, Direção, Roteiro, Produção e Diretor de Arte) e no Paraná. Maxwell é um talento em estado bruto, que mostra na tela uma visão de si mesmo que muito provavelmente nem ele mesmo conhecesse. Palmas para o diretor e para o preparador do elenco, que o descobriram e o treinaram, e principalmente para este novo artista que se confirma com esta atuação como uma verdadeira força interpretativa.

Querô é triste, revoltante, impressionante, angustiante. É verdadeiro e também um grito de alerta. Chama atenção para um problema e uma realidade de décadas atrás que hoje, mesmo tanto tempo depois, se mostra cada vez mais caótica. Fala sobre uma questão social, mas acima de tudo sobre a própria condição humana, a necessidade de sermos alguém no mundo e de significarmos algo para um outro. E, mais do que qualquer outra coisa, sobre não estarmos sozinhos. É um grito pela vida, antes que o fim implacável se faça mais uma vez presente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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