Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Casada com um marido atencioso, Gina é uma mulher cega que acaba recuperando sua visão. Iniciando uma nova fase em sua vida, ela começa a ver e descobrir situações perturbadoras na vida a dois, mudando completamente o seu relacionamento com o marido, que se torna uma teia de mistérios.

Crítica

Marc Forster não é um cineasta qualquer. Ele já deu um Oscar para Halle Berry (A Última Ceia, 2001), levou meio mundo às lágrimas com O Caçador de Pipas (2007) e dirigiu a maior bilheteria da carreira de Brad Pitt (Guerra Mundial Z, 2013). Chega a ser curioso, portanto, que um novo trabalho dele leve quase dois anos para ganhar as telas brasileiras. Uma questão compreensível, no entanto, quando se assiste à Por Trás dos Seus Olhos, projeto mais pessoal do realizador, que se aproxima de seus longas menos conhecidos, como A Passagem (2005) ou Redenção (2011). Há, durante o desenrolar da trama, um forte desejo de se construir um suspense genérico a partir do enredo proposto. Por um lado, é bom que esse acabe sendo sobreposto pelo autor no controle da história. Por outro, é visível a falta de harmonia entre essas duas vontades.

É nítida a existência de dois filmes em conflito em Por Trás dos Seus Olhos. Um deles, o melhor, é um drama existencial sobre a descoberta da visão. Gina (Blake Lively, uma atriz limitada, mas cada vez mais esforçada) está cega desde o acidente de trânsito que tirou a vida de seus pais. Após ter se mudado para a Tailândia com o marido, James (Jason Clarke, que tem uma afeição por personagens de caráter falho, como visto em Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi, 2017, ou O Grande Gatsby, 2013), ela praticamente se colocou nas mãos dele. Em um lugar desconhecido, rodeada por pessoas que nunca viu, se torna dependente dele para praticamente tudo. Tal configuração, no entanto, ao invés de caracterizar um fardo para ele, adquire outro status, aumentando sua importância com a necessidade da presença constante ao lado dela. Os dois estão felizes, por mais frágil que esse sentimento se revele.

Quando recebem a notícia da possibilidade de um transplante de córnea, ambos abraçam a novidade sem ressalvas. Aos poucos, ela começa a recuperar a capacidade de ver, ainda que mais contornos e borrões do que qualquer coisa. Mas, com isso, vem também sua independência e uma vontade irrefreável de descobrir o mundo. O espaço de Gina não se restringe mais apenas àquilo que o marido lhe oferece. Ela pode ir além. E não quer ser impedida. Quer ver e ser vista, desejar e ser desejada. James, à princípio ao seu lado, logo se vê perdido diante dessa nova mulher que se apresenta, mais bela, dona de si e sedenta por descobertas. Ele tenta acompanhá-la, mas não tem fôlego. Quando percebe, aos poucos está sendo deixado para trás. E não irá aceitar isso de forma pacífica.

É quando um outro filme começa a se manifestar. Quem é, de fato, aquele homem que Gina chama de marido? É um companheiro, ou um dominador? Ele a observa quando ela imagina não o ter por perto, grava diálogos e reações dela, e parece se satisfazer com essa ligação quase umbilical que ambos desenvolvem desde o início do relacionamento. É pontual, também por isso, ser ele o responsável pelo casal não engravidar. É ele que tem uma baixa contagem de espermatozoides. Porém, não precisa de filhos. Já tem uma. E não consegue abdicar do controle que parecia ser seu por direito. Ainda que o roteiro, escrito por Forster em parceria com Sean Conway (da série Ray Donovan, 2013-2017), insista em transformá-lo em vilão, por ser mais fácil vê-lo desse jeito, também é possível interpretar seus gestos como um grito de socorro, uma atitude desajeitada de alguém que não quer ser abandonado.

Gina e James formam um casal que não sabe ficar lado a lado. Ou ele a carrega, ou ela dispara na frente. Marc Forster investe na ambientação sensorial de seu filme – os closes são profundos, tudo é muito sentido, dos raios solares ao toque das gotas d’água, como se cada sensação fosse única e inédita. Essa opção eleva Por Trás dos seus Olhos além do lugar-comum. Mas há também deslizes, promessas que não se cumprem, como o cunhado espanhol que não é mais do que um estereótipo ambulante, ou o final, radical e apressado demais. Mesmo assim, no meio de tantas possibilidades, há elementos dignos de nota e um resultado que não pode ser descartado levianamente. Como dito, há um filme muito bom por aqui. Pena estar perdido entre tantos caminhos que não levam a lugar nenhum.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *