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Sinopse

Quinhentos anos atrás, fatos e reflexões filosóficas sobre a popularização do budismo imperam no Japão. O revoltado camponês Ryoken perde a esposa em um trágico acidente e entra em contato com os ensinamentos de Mestre Rennyo. Ambientada no século XV, período de guerras civis no país pelo controle de poder por parte de diversos clãs, a saga enfoca também a vida de Mestre Rennyo, que foi perseguido pelos monges guerreiros do Monte Hiei (em Kyoto) até seu exílio em Yoshizaki, na província de Fukui, onde construiu um complexo de templos, destruídos por um incêndio criminoso em 1474.

Crítica

Baseado em fatos, mais especificamente em episódios capitais à disseminação do budismo no Japão, Por que Vivemos reutiliza certos elementos bastante batidos no que diz respeito à representação da redenção humana por obra de uma pretensa iluminação espiritual. Senão vejamos. O protagonista, Ryoken, é um camponês de comportamento agressivo, especialmente em casa. Sofrem com sua irascibilidade a esposa grávida e a mãe acamada, esta que, inclusive, ouve do filho desejos de morte, por, na interpretação dele, ser um fardo. Outro ponto importante, que ajuda a deflagrar a mão pesada do diretor Hideaki Oba, é a aversão completa do homem à fé, haja vista as proibições que ele impõe no âmbito caseiro, tolhendo de outrem a liberdade de ir ao templo para ouvir as palavras dos monges. Pois bem, igualmente atendendo a uma convenção surrada, a tragédia e a culpa tratam de colocar Ryoken no caminho do budismo, promovendo seu encontro com o mestre Rennyo Shonin.

A trama, passada no Japão feudal, no século XV, parte da necessidade desse sujeito de escutar e assimilar os ensinamentos que supostamente aliviarão o peso de seu luto. A constituição dele é absolutamente estereotipada, com, por exemplo, o desleixo oriundo de sua tristeza ressaltado pela barba por fazer e a sujeira do quimono. Claro, a partir do instante em que começa a internalizar as palavras de Rennyo, o guia espiritual que o recebe de coração aberto, a despeito da recíproca não ser verdadeira, seu aspecto físico sofre uma transformação, com a adoção do corte de cabelo curto e de uma aparência higienizada. Longe de configurar um problema grave em si, esse tipo de expediente, porém, demonstra o viés maniqueísta do longa-metragem, sua inclinação inapelável ao simplismo, acima de qualquer coisa. Por que Vivemos é, grosso modo, uma celebração do budismo, percebida com ainda mais evidência na narração em off que complementa as aulas do monge.

Em inúmeros momentos, a animação abandona a trajetória particular de Ryoken para apresentar palestras quase completas sobre os preceitos apregoados pelo mestre Shinran Shonin, base da Escola da Verdadeira Terra Pura (Jodo Shinshu). Esse caráter didático se avoluma com a utilização de frases inteiras, tornadas ícones, surgidas na tela para reforçar mensagens. No que diz respeito à técnica, Por que Vivemos apresenta um desequilíbrio entre os cenários, geralmente muito bonitos, e os personagens, cujo traço é mais rudimentar. Já no que concerne à animação propriamente dita, as fragilidades ficam evidentes, pois há a tendência dos movimentos restringirem-se à boca e aos olhos dos personagens, com todo o resto permanecendo imobilizado. Embora seja obviamente bem intencionado o ímpeto do filme, esse de resgatar uma história de coragem que permitiu o alastramento do budismo no Japão, faltam espessura e estofo para isso vingar na telona.

De determinado ponto em diante, o protagonismo de Por que Vivemos se desloca a Rennyo, pois ele é uma figura imprescindível aos ideais que a animação celebra. Contudo, Ryoken permanece ligeiramente no centro dos acontecimentos. Essa indefinição depõe contra a realização de Hideaki Oba, assim como o desleixo em relação às minúcias, em função da dimensão histórica. Um dado importante ao desenvolvimento e à moral da história é a intolerância religiosa, vide o comportamento de adeptos de outras vertentes do budismo que, enciumados, recorrem à violência contra o mestre e seus discípulos. Ora, a própria narração do longa, sempre ao referir-se à doutrina à qual presta tributo, fala em “verdadeiro budismo”, de certa maneira minimizando as demais correntes e, voluntária ou involuntariamente, corroborando o discurso competitivo que o enredo tenta condenar. É um contrassenso sutil, mas incontornável, neste filme comprometido pela inabilidade narrativa.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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