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Sinopse

Convocado pela CIA para uma missão quase impossível, James Donovan, advogado especializado em seguros, vai precisar negociar a troca de um espião norte-americano capturado na União Soviética por um agente soviético detido nos Estados Unidos.

Crítica

Ponte dos Espiões é o quarto filme em que Steven Spielberg dirige Tom Hanks, mas se engana quem pensa que foram apenas estas produções em que eles trabalharam juntos. O cineasta produziu filmes estrelados pelo ator (como Um dia a Casa Cai, de 1986, e Joe contra o Vulcão, de 1990) e, somando-se documentários e séries de TV coproduzidos pelos dois, a conta fecha em uma dezena de títulos. Claro que os holofotes ficam em cima destas agora quatro produções com o selo de qualidade Spielberg. Por mais divertidos e bem executados que sejam Prenda-me se For Capaz (2002) e O Terminal (2004), é inegável que a melhor parceria entre os dois no cinema tenha sido O Resgate do Soldado Ryan (1998), longa-metragem que colocava o espectador em meio à Segunda Guerra Mundial e apresentava um primeiro ato de tirar o fôlego durante o Dia D. Foram necessários quase vinte anos para que o diretor e o ator conseguissem se reunir em outro filme de peso, com uma trama séria, envolvente e que, de novo, coloca o público em um período complicado da história mundial – desta vez, a Guerra Fria.

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O roteiro é assinado pelo novato Matt Charman ao lado dos talentosos Ethan e Joel Coen, pela primeira vez assinando um roteiro dirigido por Steven Spielberg – que, por sua vez, havia feito produção executiva do remake Bravura Indômita (2010), assinado pelos irmãos. Na trama, baseada em fatos reais, o advogado James B. Donovan (Hanks) é escalado pela firma em que é sócio para um caso ingrato: um suposto espião russo, chamado Rudolf Abel (o ótimo Mark Rylance, de O Franco-Atirador, 2015), foi capturado e precisa ser defendido em julgamento – tarefa esta a ser executada por Donovan. Ainda que não goste de ter sido escalado para tal trabalho, o advogado é corretíssimo e faz a defesa do seu cliente com seriedade e afinco (maior, inclusive, do que qualquer pessoa esperasse que ele fizesse). Percebendo que o julgamento está com as cartas marcadas, Donovan tenta usar da sua lábia para interceder por Abel, lembrando que se um espião americano caísse em mãos russas, o tratamento poderia ser igualmente danoso. Como era de se esperar, realmente um dos agentes norte-americanos é capturado e vira moeda de troca. Cabe agora a Donovan fazer as negociações para que tudo ocorra do modo menos problemático possível. Para tanto, ele é enviado a uma Alemanha em plena construção do Muro de Berlim para fazer a troca. É neste momento que um estudante norte-americano, também capturado, pode atrapalhar demasiadamente a missão.

A sinopse é longa para abarcar os pontos mais importantes do filme, ainda que não consiga dar a real dimensão do que Steven Spielberg arquiteta em Ponte dos Espiões. São 141 minutos cheios de momentos de tensão, com o cineasta reconstruindo de forma impressionante aquele período tão nebuloso das relações entre Estados Unidos e a União Soviética. A forma como o realizador consegue colocar o espectador naquela Alemanha dividida, mostrando a população estupefata com o Muro de Berlim, é um dos pontos altos do filme. É como se Spielberg entendesse que, depois de ter feito tantos bons trabalhos a respeito da Segunda Guerra, era hora de dar a vez a outro período histórico com a mesma seriedade que se espera de um cineasta deste calibre. Mestre contador de histórias, o diretor imprime ritmo certeiro às cenas desde o início, mas se encontra realmente quando manda seu protagonista para a Europa, momento em que seu filme brilha mais intensamente.

A direção de arte é deslumbrante, tanto quando a ação está concentrada nos Estados Unidos, quanto quando o filme nos transporta para as Alemanhas Ocidental e Oriental. A fotografia de Janusz Kaminski, habitual parceiro de Spielberg, é utilizada para dar um belíssimo clima noir nas cenas europeias. E a montagem de Michael Kahn (outro homem de confiança do cineasta) enche o longa-metragem de transições curiosas, unindo cenas de cenários e locais distintos com algo que elas tenham em comum.

ST. JAMES PLACE

Diferente de uma produção que fosse realizada durante a Guerra Fria ou alguns anos após seu término, Ponte dos Espiões não tem intenção alguma de demonizar os russos. Pelo contrário. Spielberg não cansa de enfatizar que qualquer atitude de um espião da União Soviética não seria muito diferente da ação de um agente dos Estados Unidos. Cada um serve seu país da forma como lhe é ordenado e, portanto, ambos os lados têm seus bons e maus espiões. Por ter esta visão menos viciada da questão, o longa-metragem ganha muitos pontos.

Em um daqueles exemplos de escalação bastante feliz, Tom Hanks é o ator perfeito para viver o advogado James B. Donovan. Tendo uma bússola moral forte, com intensa vontade de fazer o certo acima de tudo, o personagem é do tipo que Hanks faz com facilidade – ainda que não seja fácil construir um homem daquela forma sem cair no enfadonho. Por ter talento para papéis de homem-comum – qualidade que sempre o colocou lado a lado com James Stewart (que também faria maravilhas como este advogado), Tom Hanks é o intérprete ideal para protagonizar um filme como este.

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Sem a participação de John Williams na trilha sonora, Thomas Newman encara o desafio e presta um serviço que não deve em nada ao que o contumaz parceiro de Spielberg faria. Não chega a chamar atenção para o seu trabalho, fazendo apenas o necessário para dar o clima certo para as cenas. Ponte dos Espiões se mostra um filme redondo, envolvente, com qualidades mais que suficientes para uma conferida com a atenção que merece. Se não for lembrado na temporada de ouro dos prêmios no ano que vem, será uma verdadeira lástima. O filme tem tudo para conquistar louros importantes e, talvez, colocar Steven Spielberg e Tom Hanks novamente na festa do Oscar. Predicados o filme tem de sobra.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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