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Sinopse

Em 1819, as forças britânicas mataram quinze pessoas e feriram mais de setecentas durante um protesto pacífico pelos direitos ao voto em Manchester, Inglaterra. O episódio ficou conhecido mundialmente como o Massacre de Peterloo.

Crítica

O Massacre de Peterloo data de 1819, mas suas motivações se encaixam na atual discussão política entre esquerdas e direitas. Antes de mostrar o episódio sangrento como uma decorrência do temor estatal quanto à insurreição da classe trabalhadora, que pleiteava representatividade nas esferas governamentais, o experiente cineasta Mike Leigh oferece uma extensa sucessão de reuniões e debates acerca da necessidade desse reformismo inclusivo. Embora não haja exatamente um protagonista, um jovem soldado sobrevivente da famosa batalha de Waterloo é eleito como uma espécie de catalisador da ampla calamidade fomentada pelo elitismo da burguesia pouco preocupada com o proletariado. Peterloo é, assim, um exemplar absolutamente político, empenhado em deflagrar a perversidade do sistema cuidadosamente montado para garantir os privilégios de uma minoria (branca), relegando a maioria a uma miserabilidade substancial.

Peterloo é parcimonioso, guiado pelo desenho de uma configuração social que, por um lado, celebra a capacidade de indignação e agrupamento dos menos favorecidos, e, por outro, observa com repúdio as respostas canhestras de reis, magistrados e de quem mais deseja perpetuar-se no poder. A insistência na demonstração de juntas menores, que rapidamente aumentam o volume da insatisfação, ocasiona a sensação de repetição, embora Leigh trate de nutrir tais momentos com mensagens fortes. A família do jovem militar que perambula uniformizado em busca de empregos inexistentes numa Inglaterra em plena crise econômica de graves proporções – sua imagem é instrumentalizada constantemente para sublinhar o abandono dos mandatários – é um porto seguro ao todo, porque um núcleo que representa boa parte das questões investigadas pelo longa. Ela está no centro do levante engrandecido na medida em que consegue adesão.

A despeito da estagnação formal, da repetição de procedimentos e ângulos (metafórica e literalmente), Peterloo deixa claro seu apoio aos reformistas, com a delineação do agrupamento reforçando a necessidade da oposição à dominação de uma burguesia sempre contemplada. O judiciário é encarado como uma instância disposta a manter o status quo, prontamente se agitando sempre que comícios e ajuntamentos ensaiam causar danos à estrutura elitista da sociedade inglesa. Ao olhar para o passado e sustentar tais apontamentos, Mike Liegh acaba fazendo comentários contundentes acerca de ocorrências atuais com semelhantes contornos, expondo o rechaçasse de organizações sociais pela legalidade insidiosamente à disposição dos poderosos. Nesse percurso até a linguagem inacessível dos oradores adeptos da reforma é posta em xeque, pois ela dificulta a compreensão das camadas mais pobres, dos que não tiverem acesso aos estudos.

Henry Hunt (Rory Kinnear), o abastado que discursa em favor dos oprimidos, traz outra camada. Peterloo deixa de lado uma cansativa reiteração de pontos de vista já amplamente postos para mergulhar de cabeça na denúncia de hipocrisias e perversidades, inclusive colocando na berlinda os propósitos desse ricaço bem intencionado, mas inebriado pela celebridade que a posição lhe confere. O militar cumpre seu destino trágico no sangrento evento conhecido como Massacre de Peterloo, filmado por Mike Leigh para evidenciar a brutalidade dos homens impiedosos a serviço do príncipe glutão, que reprimiram um movimento social com violência. Afora a potência dramática da sequência, há tudo o que foi construído previamente como substrato dessa barbárie, vide as “belas, recatadas e do lar” praguejando contra mulheres em marcha por direitos iguais, passagem que infelizmente demonstra o caráter cíclico da História. Um filme desigual, mas contundente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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