Crítica

A atual crise econômica europeia configura um dos temas mais abordados pelo cinema dos países do velho continente, e na Itália, onde a tônica crítica remonta às épocas mais emblemáticas da produção cinematográfica local, não poderia ser diferente. Em Paro Quando Quero, o diretor estreante em longas-metragens Sydney Sibilia segue o caminho dessa tradição fílmica, apostando na sátira social – sob uma perspectiva contemporânea – para narrar a história de Pietro Zinni (Edoardo Leo) um professor e pesquisador da área química que passa por sérios problemas financeiros. Repleto de dívidas e tentando sobreviver dando aulas particulares para completar o orçamento, Pietro vê sua situação adquirir contornos catastróficos quando perde seu financiamento e é demitido da universidade devido a cortes orçamentais.

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Incapaz de contar à esposa Giulia (Valeria Solarino) sobre o ocorrido, o protagonista sustenta a mentira de ter recebido um aumento enquanto busca uma nova fonte de renda. A solução surge quando, através de um de seus alunos, descobre o valor de mercado das drogas sintéticas. Pietro, então, resolve utilizar uma molécula ainda não catalogada - descoberta em suas pesquisas - na composição de uma substância psicotrópica que, de acordo com o Ministério da Saúde, não poderia ser considerada ilegal. Para colocar seu plano em prática, o químico recruta alguns colegas acadêmicos também em dificuldades, formando assim uma inusitada gangue de traficantes. E é durante esse processo, da gênese à implantação do esquema, que Sibilia apresenta sua visão do panorama do desemprego na Itália dos dias de hoje.

A noção de que o alto grau de formação não representa mais uma garantia de estabilidade profissional é trabalhada pelo diretor através da inversão de valores em chave hiperbólica, como na divertida cena em que um dos amigos de Pietro, PhD em antropologia, participa de uma entrevista de emprego em um ferro-velho e tenta ocultar o fato de ser diplomado. Toda a primeira parte do filme transita por essa esfera política, tratando da falência dos órgãos públicos, vista nas condições precárias da universidade, e da corrupção do sistema, encarnada pela ótima figura do ardiloso reitor do local (Sergio Solli). Porém, a partir do momento em que a estratégia da venda das drogas começa a dar frutos, o olhar de Sibilia se volta para a interação do grupo e os contrastes entre a vida acadêmica e a criminal.

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Esse jogo de oposição proposto pelo diretor passa também pelo terreno estético. A fotografia estilizada, com cores ultra saturadas e filtros fluorescentes – que remete ao ambiente das raves onde as drogas sintéticas são mais consumidas – aproxima o longa de uma linguagem pop contrária à linguagem formal dos integrantes eruditos da gangue – há inclusive uma dupla especialista em idiomas que sempre discute em latim. O choque de realidades e os percalços da trajetória de ascensão no mundo do crime ganham o destaque principal e com isso o viés crítico e as questões éticas perdem força. Alguns temas ainda são discretamente levantados – é possível fazer uma leitura de contestação aos valores capitalistas no modo como os personagens lidam com o poder proveniente do sucesso financeiro da empreitada – porém sempre direcionados mais ao potencial cômico do que ao analítico.

A narrativa é calcada nos excessos da premissa - que soa como um Breaking Bad em versão paródica - e, portanto, exige a aceitação das improbabilidades presentes na trama: a história da legalidade da molécula, a rapidez ingênua com a qual Pietro decide levar sua ideia adiante apenas pesquisando na internet sobre o assunto, o fato de sua esposa trabalhar justamente com a reabilitação de dependentes químicos sem que isso traga maiores conflitos morais ao protagonista ou ainda todas as reviravoltas do clímax passado em uma cerimônia de casamento. Há também, em determinados momentos, a falta de sutileza para expor as críticas pretendidas sem que elas soem óbvias, como quando uma das alunas particulares de Pietro diz não poder pagar pelas aulas, pois “o país está em crise”, algo já previamente estabelecido com clareza.

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Mesmo com essas oscilações, Sibilia realiza um trabalho correto, demonstrando bom domínio visual e de ritmo narrativo, tendo ainda o mérito de não apelar para muitos clichês dos filmes de máfia italiana. O timing cômico funciona na maior parte do tempo, gerando cenas realmente engraçadas, como quando o personagem do antropólogo ensina aos companheiros sobre a linguagem corporal a ser adota em uma boate ou a sequência do assalto com as armas da era napoleônica. O ótimo elenco contribui para o agradável resultado, com todos os atores extraindo o máximo em termos de humor das limitações de seus personagens. E se o contexto social se dissipa ao longo da projeção, ao menos ele retorna num desfecho sarcástico que beira o absurdo sem que se perca o valor da mensagem.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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