Crítica


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Sinopse

Um romance improvável nasce do encontro de dois jovens com severas dificuldades para se relacionar. Sorrisinho se esconde atrás de uma máscara. Cerejinha se sente angustiado com o excesso de barulho do mundo.

Crítica

Os amores de verão podem ser inesquecíveis. Sem tantas pressões do trabalho, da escola ou de qualquer outro cenário que imponha obrigações e/ou restrições, envolvimentos sazonais tendem a se transformar em lembranças intensas. Em Palavras que Borbulham como Refrigerante, o sentimento nascido do encontro entre Cerejinha (voz original de Somegorô Ichikawa) e Sorrisinho (voz original de Hana Sugisaki) é cercado de inocência e de uma idealização que combina bem com os contos de fada açucarados. Ele, menino tímido que usa constantemente um fone de ouvido para abafar os ruídos externos. Ela, uma jovem influenciadora digital que tem vergonha de seus proeminentes dentes da frente, a ponto de utilizar uma máscara para escondê-los. Os dois se esbarram num shopping, seus telefones celulares são trocados na confusão e daí para frente uma coisa acaba levando à outra. O mais interessante no começo nem é a configuração humana que obedece a vários chavões desse filão. O que se destaca na apresentação é uma conjuntura social em que tudo praticamente acontece no shopping center. Esse espaço comercial é visto como um local de encontro obrigatório para todas as idades. Nele, há até clínicas dentárias e centros geriátricos. Temos poucos vislumbres dos outros ambientes da cidade interiorana. Aliás, pena que esse dado provinciano é sequer aproveitado.

Voltando aos amores de temporada, Palavras que Borbulham Como Refrigerante apresenta seus contextos de modo um tanto desajeitado. Para começo de conversa, o filme não deixa exatamente claro se Sorrisinho está de passagem (ela menciona aos seguidores que fala da cidade natal, então a ênfase sugere isso) ou exatamente desde quando Cerejinha sabe que precisará se mudar com os pais. Com tão poucas opções, sendo o shopping um point, como os dois nunca tinham se encontrado por ali? A escassez de tempo para que o vínculo posterior seja consumado/vivido não serve para estimular um aspecto dramático da relação fofinha. Na verdade, o fato de o envolvimento ser assombrado por um prazo de validade funciona somente para a adesão a vários lugares-comuns desse tipo de premissa. À medida que as dificuldades são resolvidas, que os protagonistas se aproximam intensamente, o pesar pela separação deveria crescer. No entanto, somente Cerejinha sabe que precisará ir embora. E a dor anunciada fica restrita às suas olhadas diárias no calendário. O cineasta Kyohei Ishiguro não investe para tornar o segredo angustiante. Aliás, o protagonista masculino parece bem mais apático do que introspectivo. Por sua vez, a personagem feminina principal tampouco é investigada para além do que a define superficialmente. Ambos são inseguros e cabem em retratos padronizados da adolescência.

As emoções em Palavras que Borbulham Como Refrigerante são demonstradas com os exageros típicos dos animes – nomenclatura das animações japonesas. Toda vez que fica envergonhado, Cerejinha parece um termômetro prestes a explodir. De maneira semelhante, Sorrisinho gesticula espalhafatosamente para deixar claro o que está querendo dizer (sobretudo quando acha algo fofo). Os sentimentos e dilemas são apresentados de forma simples, ou seja, prós e contras são bastante claros. Já as características que tornariam os personagens singulares são pouco aproveitadas. Por exemplo, chega a ser dito que a menina é uma influenciadora digital famosa. Mas em nenhum instante essa posição é fundamental à sua personalidade ou mesmo importante para algum desdobramento. A única vez em que a notoriedade virtual vai além do rótulo é quando a adolescente recorre aos seguidores (supostamente inúmeros) para encontrar informações sobre um disco misterioso. Também é uma lástima que o filme não evolua a discussão engatilhada sobre as crises adolescentes de autoimagem. Em determinada cena alguém afirma consternada: “sei bem como é isso de começar a se odiar de uma hora para outra”, logo sinalizando um caminho para tornar Sorrisinho densa. Porém, o cineasta não envereda por essa estrada pedregosa, preferindo manter tudo na camada superficial.

O dado lírico dessa animação fica por conta dos haiku – poesias japonesas também conhecidas como haikai. Cerejinha se expressa melhor por meio deles. Esse adolescente reflexivo imprime sensações, desejos e angústias nos escritos curtos que buscam equivalências na natureza. Sua constatação de que ninguém o lê é feita com o tom lamurioso de quem gostaria de ser prestigiado. Palavras que Borbulham como Refrigerante incorre em outro desperdício ao não prestar atenção às especificidades dessa demanda. Em certa medida, o menino é oposto à menina. Enquanto ele se fecha e elabora sua relação com o mundo pelo casamento das palavras, ela se comunica de maneira intensa pela internet. Basicamente, o cineasta Kyohei Ishiguro não faz muito com esses opostos – parecidos na essência – que se atraem. O resultado é açucarado, com personagens coadjuvantes virando escoras tipificadas. Todos gravitam esquematicamente em torno do interesse sem malícia dos protagonistas. A correspondência com a história de amor que sobreviveu ao tempo, cujo símbolo é o disco de vinil desconhecido, surge para reafirmar a lógica romântica do filme. Os contratempos para um final feliz são, basicamente, as restrições pessoais. E, infelizmente, elas não ganham estatura, textura e consistência que poderiam torná-las empecilhos ameaçadores justamente por sua natureza interna, familiar e enraizada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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