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Sinopse

Jovem professora, Kate é contratada para trabalhar como governanta numa mansão localizada nos arredores de Londres. Lá, além do proprietário muito rico, vivem Flora e Miles, sobrinhos órfãos do patrão. Logo, porém, ela percebe que há outros moradores, não necessariamente vivos.

Crítica

Desde que o cinema passou a utilizar seu lastro estético-histórico como componente narrativo, é natural, quase necessariamente automático, que cineastas busquem nos cânones dos gêneros aos quais vão se filiar os elementos mais fundamentais a fim de criar exemplares então devidamente alicerçados. Em Os Órfãos, no entanto, essa “colheita” é tão ostensiva que chega às raias de gerar uma caricatura involuntária. Baseado no livro A Volta do Parafuso, de Henry James, o filme começa explorando justamente, e de forma tão desajeitada quanto acintosa, a sua vocação terrífica, com uma protagonista “inocente”, Kate (Mackenzie Davis), professora particular contratada para cuidar da educação de uma órfã que vive reclusa numa propriedade isolada e imponente. A câmera da cineasta Floria Sigismondi possui um caráter expositivo que beira o didático, vocação vista especialmente quando essa recém-chegada tem seu contato inicial com mansão, cenário obviamente decalcado de produções congêneres pregressas, com direito a estátuas macabras, áreas proibidas e desvãos.

Essa descoberta da residência sinistra sobrevém à certeza de que há algo de podre naquele terreno, uma constatação condicionada pelo comportamento dos irmãos Miles (Finn Wolfhard) e Flora (Brooklynn Prince). Portanto, não faz muito sentido quando o filme, sem a mínima habilidade, busca delinear uma pretensa área nebulosa entre a realidade demarcada por manifestações sobrenaturais e, talvez, os efeitos de uma moléstia mental. Os Órfãos é caracterizado por uma investida escandalosa no assustador que não encontra sustentação na maneira como a realizadora encaixa as peças desse quebra-cabeça sem potência dramática. O primogênito é quem chega mais próximo de ser uma figura perigosa, mas nem mesmo o talento de seu intérprete consegue dirimir a falta de textura e estofo desse personagem grotesco. Algo semelhante pode ser dito de Flora, figura que não atinge a dubiedade necessária para soar temível. Basicamente, a responsabilidade é da direção frouxa.

Um dos principais filmes a lidar com A Volta do Parafuso é Os Que Chegam com a Noite (1971) que, curiosamente, imagina um enredo pregresso ao do romance de Henry James. Uma vez comparados, o longa-metragem de Michael Winner e Os Órfãos se distanciam por um fosso enorme. O primeiro é tenso, utiliza a clausura, bem como a relação entre as pulsões de vida e morte, para criar uma trama realmente poderosa acerca dos porões da alma humana. Já a versão atual, mais fidedigna ao original literário, ao menos no que diz respeito à premissa, tenta consumir tudo por meio da atmosfera de horror na qual os fantasmas, a certa altura, se impõem como as verdadeiras ameaças à permanência tranquila de Kate por ali. E dá-lhe portas rangendo, sussurros rompendo o silêncio noturno, atitudes “suspeitas” e bonecos bizarros que parecem viver. Um molho insosso, ora prejudicado pelo excesso tortuoso de ferramentas do gênero, ora combalido por outros equívocos.

Para além da história encabulada pela redução intermitente de suas potencialidades, e do foco estreito no que concerne aos sustos, Floria Sigismondi deve acreditar piamente que basta meia dúzia de jump scares (ruins), uma casa em que cada cômodo “implora” para ser compreendido como abrigo de forças sobrenaturais, e um elenco esforçado à construção de um clima que confira pilares ao argumento e a seus possíveis subtextos. Aliás, é impressionante como, em virtude dessa asfixia imposta pela encenação, encarregada de endurecer as pessoas em cena, nem os precocemente talentosos Finn Wolfhard e Brooklynn Prince apresentam desempenhos memoráveis. Mackenzie Davis também surge demasiadamente engessada em cena, não dando conta da densidade emocional da protagonista. Quando parecia que as coisas não poderiam piorar, há o encerramento desastroso, que soa como tentativa de jogar à plateia a incerteza quanto ao fim do filme. Na dúvida, a cineasta soma as alternativas e consegue a “proeza” de oferecer um clímax abrupto e desengonçado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Marcelo Müller
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Alysson Oliveira
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MÉDIA
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