Crítica


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Sinopse

Jovens descobrem-se portadores de poderes especiais. Isso não os faz escapar dos problemas do passado. Cinco deles são aprisionados numa estranha instituição controlada pela Dr. Cecilia Reyes, cuja promessa de ajuda logo soa vazia.

Crítica

Os detratores dos filmes de super-heróis mencionam certa mesmice para desvalorizar o filão mais lucrativo da Hollywood atual. Quando o assunto é atingir grandes bilheterias, as fórmulas consagradas, as comercialmente bem-sucedidas, tendem a ser repetidas até esgotarem a paciência – o que, infelizmente, pode levar alguns anos. Os Novos Mutantes evidentemente almeja ser um ponto fora da curva, filme quiçá sombrio do universo dos X-Men, porque focado em personagens adolescentes, naturalmente conturbados e passíveis de oscilar. O protagonismo da jovem nativo-americana, Danielle (Blu Hunt), também chama atenção à tentativa de ser inclusivo, de contemplar a diversidade. Há, de fato, bons elementos dispostos nessa trama repleta de obscuridades, sentimentos de culpa e amedrontamento diante da necessidade de crescer e, simultaneamente, apreender a lidar com impulsos autodestrutivos que adquirem outro tamanho quando há poderes especiais envolvidos. Nesse lugar das possibilidades, há o amor entre as meninas que encontram um pouco de afeto na companhia uma da outra. Pena que o cineasta Josh Boone frustre as expectativas justamente para se encaixar.

Contradizendo a manifestada (e bem-vinda) vontade de ser diferente de boa parte das produções com pessoas dotadas de poderes extraordinários, Os Novos Mutantes repetidamente adere a protocolos comuns. O roteiro desenha um trajeto bastante conhecido ao aprendizado de Danielle. Ela é levada gradativamente a ser informada sobre regras do local de clausura, como deve se portar a fim de amadurecer, e mesmo a respeito da singularidade dos outros adolescentes com os quais convive. Para isso, sempre tem alguém disposto a lhe dar lições de algo que precisa ser minuciosamente explicado – à protagonista e concomitantemente aos espectadores. O realizador apoia uma parcela do conflito numa figura manjada como Illyana (Anya Taylor-Joy), inicialmente a bag girl que parece funcionar como antagonista em potencial, mas que, aos poucos, se revela profundamente afetada por um trauma que lhe deixou marcas. Rahne (Maisie Williams), a de relação ambígua com a religiosidade, desempenha a dupla função de oásis afetivo e mentora, saindo-se bem em ambas.

Aliás, curiosamente, dos cinco adolescentes trancafiados na instituição que parece uma antessala bizarra da escola do Professor Xavier, os dois homens poderiam ser condensados em um, sobretudo porque igualmente condicionados pela culpa, sendo dela representantes. Roberto (Henry Zaga), o brasileiro ricaço, e Sam (Charlie Heaton), o jovem da classe trabalhadora, são meros polos socialmente distantes de uma mesma figura dramática, a do sofredor que tem de aprender a perdoar-se para ajudar os companheiros de ocasião a vencer. Assim sendo, embora aponte a caminhos superficialmente diferentes, Os Novos Mutantes acaba se tornando mais do mesmo, um longa-metragem no qual alguém tem de entender logo que grandes poderes acarretam reponsabilidades equivalentes. Uma lástima enorme que as particularidades da adolescência, os turbilhões e atravessamentos normais dessa fase de transição, não sejam mais que sinalizações. O fervilhar dos hormônios que despertam os poderes bagunçam ainda mais os jovens, mas no fim das contas é tudo frívolo e passageiro.

Difícil cravar o limite entre as escolhas de Josh Boone e as intempéries derivadas das conhecidas intervenções do estúdio em Os Novos Mutantes. Mas, talvez o sobrepeso da ingerência dos produtores explique melhor o resultado que permanece num meio termo incômodo. O filme tenta provocar um viés terrífico, escuro, menos heroico, empenhado em expor falhas, ranhuras e rachaduras. Entretanto, é inconsistente e arremata tudo numa apoteose cartártica em que o amadurecimento vem repentinamente, no tranco, diante do perigo mortal. Alice Braga vivendo uma doutora pretensamente enigmática não compromete, mas seu papel é tão destituído de camadas que fica difícil, dentro do contexto, imaginá-la sobressaindo. O mesmo acontece a outros membros não menos talentosos do elenco. Quem se destaca é Anya Taylor-Joy, atriz que rouba a cena de Blu Hunt, inclusive por viver uma personagem mais interessante que a protagonista restrita ao arquétipo. A frustração das expectativas quanto à variação na franquia X-Men decorre desse apego excessivo às velhas e fórmulas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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