Crítica


8

Leitores


6 votos 7.4

Onde Assistir

Sinopse

Roslyn Taber é uma mulher sensível, que está se divorciando. Gay Langland é um cowboy frio, que passou a vida pegando cavalos e mulheres divorciadas. Ela não aceita a captura de cavalos selvagens para virarem comida de cachorro, enquanto que ele não vê nada demais. No meio de tudo isto nasce uma paixão entre os dois.

Crítica

A última cena de Os Desajustados tem um caráter premonitório por mostrar os personagens de Clark Gable e Marilyn Monroe, finalmente juntos e sozinhos, indo em direção ao horizonte. Afinal, este foi o último longa completo dos dois astros – ele faleceu poucos dias após o término das filmagens, como consequência de um ataque do coração, e ela no ano seguinte, vítima de uma overdose de drogas. Os dois, no entanto, não foram os únicos a sofrerem com as consequências da produção. Muito tempo depois, quando o filme foi exibido na televisão, Montgomery Clift foi questionado se desejava assisti-lo: “absolutamente não”, foi sua resposta. E também suas últimas palavras – na manhã seguinte foi encontrado morto em seu quarto, também em decorrência de um ataque do coração.

Diante do conhecimento destes fatos, seria fácil descartar Os Desajustados como uma ‘obra maldita’. O longa, no entanto, é muito mais do que isso. Escrito como um conto com toques autobiográficos pelo intelectual Arthur Miller enquanto ele próprio aguardava por seu divórcio para se casar com Monroe, quando publicado chamou a atenção de John Huston, que se interessou em levá-lo às telas. O texto a partir desse ponto passou a ser retrabalhado para que adquirisse o formato cinematográfico, tendo a nova esposa do escritor em mente como protagonista. Gable entrou no projeto após a recusa de Robert Mitchum – a primeira opção do diretor – e Clift é um coadjuvante de luxo, marcando presença de destaque ao lado de nomes como Thelma Ritter e Eli Wallach.

A trama de Os Desajustados é relativamente simples – ao menos numa primeira leitura. Roslyn (Monroe) está se separando e precisa encontrar o ex-marido no tribunal para acertar os últimos detalhes dos trâmites legais. No caminho é cortejada pelo taxista (Wallach), que a convida para conhecer a região. Durante esse passeio, entretanto, ela conhece Gay (Gable), um velho caubói que acaba sendo mais hábil em conquistá-la. Os dois acabam indo morar juntos, e tempos depois, ao se reencontrarem com o antigo amigo, decidem sair juntos para caçarem mustangues selvagens nas pradarias de Nevada. Para ajudá-los é convocado um jovem fã de rodeios, Perce (Clift), um rapaz sem eira nem beira, mas com um enorme coração. As ligações entre todos são inevitavelmente frágeis, mas suas semelhanças e pontos de conexão acabam sendo mais fortes do que se poderia supor num contato inicial.

Você talvez seja a mulher mais triste que conheci”, diz Gay para Roslyn em certo momento, logo após se conhecerem, desmistificando o ícone platinado. Marilyn poucas vezes esteve tão à vontade em cena, ainda que tivesse passado por quase toda a realização do filme à base de comprimidos e ajuda médica – um profissional de saúde chegou a ser contratado pela produção para ficar constantemente no set, tanto para ela quanto para Clift, na época atormentado pelo alcoolismo. Huston, no entanto, não se deixou abater pelos inúmeros e frequentes problemas, e fez desse filme um libelo a respeito de almas atormentadas que lutam para se libertar, mas tudo o que conseguem é se enredarem cada vez mais. As cenas finais, dos homens laçando cavalos em pleno deserto enquanto a mulher enfrenta ataques de histeria contra os atos selvagens que está presenciando, são intensamente perturbadoras e reverberam na mente de quem as assiste por um tempo incalculável.

John Huston fez de Os Desajustados um filme acima dos seus méritos individuais, e isso deve-se principalmente à sua imensa capacidade de conseguir lidar com as advertências e superar os transtornos enfrentados, tanto na tela quanto fora dela. Clark Gable chegou a afirmar que esta seria a melhor atuação de sua carreira, enquanto que Marilyn Monroe, caso tivesse tido mais tempo, talvez estivesse começando a se aprontar para uma mudança necessária em sua carreira, visando uma maior maturidade artística e um reconhecimento que nunca chegou a alcançar em vida. E Montgomery Clift, perturbado pela homossexualidade latente e por um acidente que quase o desfigurou, leve estes distúrbios com competência para a ficção, refletindo sem exageros o drama que sofria em sua própria vida pessoal. Em resumo, tem-se aqui um filme de imagens fortes e texto poderoso, mas que com o tempo se tornou ainda maior graças ao reflexo que teve nas trajetórias dos seus principais envolvidos.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *