Crítica


3

Leitores


3 votos 6

Onde Assistir

Sinopse

Dois integrantes da Agência Central de Inteligência Sul-Coreana são incumbidos de localizar o traidor que está por trás dos planos para assassinar o presidente de sua nação. Mas, será que entre eles há algum inocente?

Crítica

Operação Hunt tem dois protagonistas, ambos funcionários da Agência Central de Inteligência Sul-Coreana. Park Pyong-ho (Lee Jung-jae, também o diretor da superprodução) e Kim Jung-do (Jung Woo-sung) chefiam divisões diferentes dentro da instituição, mas recebem a mesmíssima missão: desmascarar o espião a serviço da Coreia do Norte que tenta levar a cabo o plano de assassinar o presidente da parcela sulista da Coreia. Portanto, temos como pano de fundo um conflito de proporções enormes entre vizinhos, pois suas consequências afetam um contingente geopolítico maior do que as divisas da nação bipartida. O roteiro assinado por Jo Seung-Hee nos coloca ligeiramente mais ao lado de Park, o típico sujeito solitário que devota a sua vida à causa. Há a construção de uma rivalidade que motiva discussões rasas e atritos não menos passageiros, em meio a qual Kim vira candidato potencial a vilão. E isso é reforçado na cena em que ele mata uma testemunha antes que ela pudesse dar com a língua nos dentes. Portanto, em meio a maquinações políticas e problemas de diversas ordens, somos levados a acreditar que um desses personagens principais pode estar por trás do plano para assassinar o mandatário disposto a mudar a constituição para se perpetuar no poder. O grande problema do desenvolvimento da trama é o foco estrito na ação, bem como a pouca densidade das intrigas e do aspecto humano.

Provavelmente, o pior adjetivo para atribuir a um thriller é “morno”. Pois, Operação Hunt é um desses filmes que têm tudo para manter o espectador eletrizado, constantemente em dúvida sobre a bondade/maldade dos envolvidos e tenso diante das possibilidades de um labirinto. Mas, embora tenha a seu favor a manutenção da dúvida (princípio básico do gênero), o longa-metragem sul-coreano é realmente morno, nunca atingindo notas muito satisfatórias como suspense baseado em eventos reais. Primeiro, porque a dimensão política do discurso fica excessivamente subordinada à lógica da procura/revelação dos heróis e bandidos. Como cineasta, Lee Jung-jae – internacionalmente conhecido por Round 6 (2022-) – não atenta como poderia à utilização quase protocolar de subterfúgios violentos. Não é preciso nem ter inclinação progressista para identificar a inexistência de santos nessa jogada. Todos os envolvidos na cansativa corrida contra o tempo utilizam a brutalidade para extrair informações ou eliminar seus obstáculos. São muitas as cenas de tortura, com direito a vislumbres de prisioneiros em paus-de-arara, sufocamento, agressões de intensidades variáveis, ou seja, demonstrações de que a selvageria do Estado é um de seus protocolos mais preservados, não importando o lado das disputas. Falta ao filme um olhar crítico à utilização desembestada da agressividade oficial.

Deixando um pouco o discurso de lado, podemos também encarar Operação Hunt estritamente por seus méritos/deméritos técnicos, quiçá em busca de algo a ser analisado. A ação genérica, as mudanças telegrafadas de rota/direção e a utilização conveniente de CGI para construir cenas de destruição, por exemplo, ampliam a sensação de artificialidade que tende a emperrar o engajamento do espectador. Em virtude da abordagem esquemática, fica fácil antecipar reviravoltas supostamente empolgantes e duvidar de situações/alianças apresentadas como fatos consumados. Toda vez em que alguém diz “eu sou fulano e estou lutando pela justiça” há uma sugestão subliminar do tipo “se ele dize A, a verdade deve estar na direção do B”. A sucessão de desmentidos gera uma incômoda previsibilidade. O realizador parece crer que dissipar as cortinas de fumaça é suficiente para eletrizar o enredo. Infelizmente não é. Um exemplo desses desperdícios é a incapacidade de utilizar as rusgas do passado como lenha aumentando a fogueira das vaidades e animosidades. Park menciona que foi torturado por Kim, mas isso serve bem mais como gatilho ao constrangimento momentâneo do que enquanto subsídio para compreendermos melhor o que leva ambos a estarem sempre em guarda. Os coadjuvantes entram e saem da história sem deixar muitos rastros e saudade, somente engrossando o caldo.

Ninguém se destaca particularmente no elenco de Operação Hunt. Nem mesmo o famoso Lee Jung-jae, cujo personagem parece interpretado no piloto automático. Efeito colateral da divisão de funções entre o protagonismo e a condução da produção? Talvez. Conjecturas à parte, as pessoas vão perdendo importância em meio a um emaranhado de intrigas um tanto confuso. O roteirista parece indeciso entre criar uma trama propícia a perseguições, traições, ação militar em média e larga escala, e as consequências políticas de uma disputa interna rachando a entidade que deveria estar realmente unida em prol da captura do espião infiltrado. O corre-corre é desprovido de intensidade, as relações pessoais tampouco geram identificação e/ou empatia, numa produção que parece sentir-se cumprindo uma missão ao repetir que ninguém é totalmente confiável. A história é promissora, mas a execução deixa a desejar. Durante mais de duas horas testemunhamos um jogo de gato e rato em que as posições de felinos e roedores são questionadas. Não há ênfase no fato de que nem todo gato é predador inescrupuloso de ratos indefesos. Realmente é uma pena que Lee Jung-jae se esforce tanto para embaralhar bons e maus a fim de que não consigamos ter certeza de quem é quem, em vez de borrar as próprias fronteiras entre maldade e bondade. O resultado é um filme xoxo e sem muita personalidade.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *