Crítica

Caio Fernando Abreu foi um dos grandes escritores brasileiros do último século. Seus textos marcaram uma geração, não só no Rio Grande do Sul, onde nasceu, mas em todo o país. Por isso é curioso ver que só agora uma obra sua é adaptada para o cinema. Onde Andará Dulce Veiga? é uma boa escolha. A se lamentar apenas o fato de que o que é apresentado nas telas não está à altura do romance que lhe deu origem. Enquanto o livro é envolvente, pitoresco e bem humorado, o filme resulta em algo confuso, disperso e exagerado. Infelizmente.

A trama é quase clichê, de tão identificada com sua origem policialesca. Senão, vejamos. Jornalista (Eriberto Leão) é enviado, no primeiro dia de trabalho, para cobrir uma nova banda de música. Ao chegar para a entrevista, descobre que a vocalista (Carolina Dieckmann, vista há pouco em Sexo com Amor?) é filha de uma grande cantora e atriz sumida há 20 anos. Dulce Veiga (Maitê Proença, de Tolerância) desapareceu durante as filmagens daquele que seria seu primeiro longa. Ao voltar para o jornal com esta história, ele é dispensado de suas outras obrigações e recebe uma única missão: descobrir o que aconteceu com a antiga estrela e, se possível, encontrá-la. E assim parte, se deparando em pistas falsas, testemunhos forjados e contando acima de tudo com sua própria intuição, até que comece a montar um quebra-cabeça muito maior e mais complexo do que poderia ter imaginado no início.

Demasiadamente longo – são cerca de 135 minutos de projeção – e repleto de reviravoltas e flashbacks, Onde Andará Dulce Veiga? certamente não é um filme para qualquer público. Com cenas bastante fortes – nudez feminina e masculina (inclusive frontal), beijos homossexuais, usuários de drogas e violência – é uma boa amostra do universo imaginado por Caio F. Abreu. De um lado temos pontos positivos, como as atuações de Christiane Torloni e Oscar Magrini, ambos bastante à vontade em seus personagens, e a estrutura do enredo, que abusa da metalinguagem para criar algo diferenciado e singular. Já outros poderão apontar a composição afetada de Maitê, assim como a inexperiência dos protagonistas Eriberto e Carolina (ambos estreando no cinema) e a mão pesada do cineasta Guilherme de Almeida Prado (A Dama do Cine Shanghai), que perde tempo demais em subtramas e em excessos visuais que pouco colaboram com o resultado final.

Filmado há mais de três anos, Onde Andará Dulce Veiga? é resultado da persistência e da obstinação do diretor, que era amigo pessoal de Caio. Dificuldades como orçamentos (que ficou em torno de R$ 3,3 milhões), logística das filmagens (que começaram em Ribeirão Preto, passaram por São Paulo e Rio de Janeiro e terminaram em Manaus) e elaboração do roteiro (que chegou a participar de um laboratório promovido pelo Sundance Institute em 2002) estiveram no caminho, mas nada foi tão grande a ponto de fazê-lo desistir da idéia. E hoje temos um longa com méritos inegáveis, ousado e ambicioso, mas que ao mesmo tempo é confuso, problemático e distante do seu público. Ou seja, algo perdido, desconectado e sem foco, que merecia um tratamento melhor: tanto da platéia quanto dos seus próprios realizadores.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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