Crítica

Dois anos após marcar sua primeira aparição nos cinemas com Saudações (1968) – e de quebra levar o Urso de Prata no Festival de Berlim – Brian De Palma retomou um dos principais personagens deste longa de estreia em Olá, Mamãe!, uma sequência um tanto desajeitada do trabalho anterior. Entre os dois filmes o diretor e seu protagonista, Robert De Niro, fizeram outro projeto juntos – Festa de Casamento (1969) – e se De Palma realizou ainda o artesanal Dionysus in ’69 (1970) neste meio tempo, foi o ator que começou de fato sua trajetória rumo ao estrelato que conquistaria pouco tempo depois, se envolvendo com outros realizadores (como Roger Corman, em Os 5 de Chicago, 1970) e estabelecendo os contatos que gerariam importantes parcerias (Martin Scorsese, em Caminhos Perigosos, de 1973, ou Francis Ford Coppola, em O Poderoso Chefão 2, em 1974, por exemplo) que guiariam sua carreira nos anos seguintes.

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Consciente deste cenário, é importante não exceder nas expectativas em relação à Olá, Mamãe!. Assim como no primeiro longa, este é um exercício anárquico de narrativa, talvez não tão fragmentado quanto o anterior, mas ainda assim mais preocupado com suas partes do que com o todo. Se antes acompanhamos a rotina e as preocupações de três amigos, agora estamos ao lado de apenas um deles, John (De Niro). É curioso perceber o quanto este personagem vai ganhando importância durante o desenrolar da história de Saudações, indo da posição inicial de coadjuvante até adquirir uma visibilidade cada vez maior a ponto da própria trama se encarregar de seguir seus passos, já próxima de sua conclusão, e encerrar com as atenções voltadas à ironia que o destino lhe reservou. No começo ele é um dos que discutem teorias sobre como evitar a convocação à Guerra do Vietnã, e no final o encontramos em plena selva vietcongue. Mas 18 meses se passaram, e agora, já de volta à cidade grande, deve lidar com os problemas de uma Nova York em constante ebulição.

Dos três personagens de Saudações, John era, de fato, aquele melhor elaborado. Paul queria apenas fugir do alistamento e conhecer o maior número de garotas possível, enquanto que Lloyd estava envolvido demais em supostas conspirações para desvendar o verdadeiro responsável pelo assassinato de Kennedy. Paul era um cineasta em formação, de olho tanto na arte quanto em prováveis encontros sexuais, sem nunca deixar de lado suas inquietações políticas. Após a experiência prática no conflito armado, ele decide investir em sua carreira profissional. A ideia é, do pequeno apartamento que alugou, construir um filme a partir das vidas que observa, através de sua pequena câmera, no edifício vizinho ao seu. A referência imediata, como se percebe, é o clássico Janela Indiscreta (1954), de Hitchcock, uma das maiores influências assumidas de De Palma. Mas quando seu olhar foca um ator experimental envolvido na peça ativista Be Black, Baby, suas concepções e atitudes sofrerão mudanças radicais.

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Brian De Palma assume um discurso político e social muito forte em Olá, Mamãe!, em uma estrutura e abordagem bastante irregulares – o filme dentro do filme provoca uma estranheza desconfortável, porém necessária – mas surpreendentemente pertinente até hoje. Discute-se a fama, racismo e preconceito, a militarização da sociedade, a alienação cultural e até mesmo o vazio das relações amorosas em uma estrutura heteronormativa que pouco além vai de oferecer sempre o mesmo, sem mudanças ou inovações. E se o diretor parece perder um pouco a mão – ou talvez exagerá-la em suas posições – é bem provável que seja justamente esse o resultado almejado. Um filme forte, que reflete com maior precisão um cineasta inquieto, mas ainda assim disposto a fazer de sua arte meio de protesto e debate.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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