
Crítica
Leitores
Sinopse
Em O Último Azul, Tereza tem 77 anos, reside em uma cidade industrializada na Amazônia e recebe um chamado oficial do governo para residir numa colônia habitacional compulsória onde idosos devem "desfrutar" de seus últimos anos, permitindo que a juventude produza sem se preocupar com os mais velhos. Antes do exílio forçado, a mulher embarca numa jornada pelos rios e afluentes para realizar um último desejo. Drama.
Crítica
Enquanto esperam pelo sinal amarelo que virá dos céus, permitindo que continuem a viagem rio acima, o navegador Cadu (Rodrigo Santoro) e sua passageira improvisada, Tereza (Denise Weinberg), tratam de se ocupar com o que encontram naquele cenário de mata nativa e águas por todos os lados. Ela está ansiosa, pois o tempo lhe é curto. Ele, no entanto, se emociona ao encontrar um caracol raro que, por onde passa, deixa uma baba anil. O líquido, se pingado direto no olho, permite àquele decidido a passar por tal experiência um efeito alucinógeno que seria capaz de antever o futuro. Estes dois personagens têm motivos distintos para vislumbrar o agora de maneiras bastante particulares. Ele está fugindo do passou. Ela teme o poderá acontecer. Em O Último Azul, um dom tão especial, por muitos cobiçado, precisa chegar no momento certo para que tenha valia. Assim como o cinema de Gabriel Mascaro, acostumado a olhar o presente com um pé no passado e outro naquilo que ainda não é, talvez nunca seja, mas com chances reais de se concretizar. As possibilidades, portanto, estão tanto na tela quanto no desenrolar dos acontecimentos que agora começam a se desenhar.
Por mais que Rodrigo Santoro se mostre comprometido com esse personagem sem rumo, que afirma sem meias palavras “quem nunca fez algo de errado?” e quando fora de si tudo o que consegue demonstrar é arrependimento, ele está em cena apenas para pontuar um momento específico da jornada de transformação de Tereza, que é em quem se concentram as atenções dessa distopia imaginada por Mascaro. A protagonista, aliás, é um verdadeiro presente para Weinberg, atriz que tanto já entregou em trabalhos anteriores e seguia merecendo um instante de maior estrelato. Pois bem, após ter sido indicada ao Emmy Internacional por Psi (2018), recebido um Prêmio Grande Otelo por Salve Geral (2009) e reconhecida na votação da Associação Paulista de Críticos de Arte por A Metade de Nós (2023), é somente com O Último Azul que recebe o desafio de sair de uma posição coadjuvante para assumir sozinha a condução de uma história. Sua Tereza é uma mulher inconformada com o que o destino lhe reserva, mas que não deixará de buscar por uma liberdade que talvez nem seja mais possível, mas nem por isso menos desejada.
Assim como em seu longa anterior – Divino Amor (2019) – Gabriel Mascaro apresenta em O Último Azul um Brasil no qual a hipocrisia ganhou vez, e aqueles que se mostram contrários à ordem majoritária deixaram de ser ouvidos. No caso, são os idosos, que a partir de certa idade se veem obrigados a abandonar trabalhos, residências, amigos e familiares e partirem rumo a colônias sobre as quais se têm mais dúvidas do que certezas. O discurso oficial prega que é para o bem de todos, para “os mais velhos poderem descansar, enquanto os jovens deixam de se preocupar com eles e podem se ocupar enquanto forças produtivas”. Mas frases de protestos estão pichadas pelas ruas. Nem todo mundo comprou tais diretrizes do governo. Há boatos de senhores e senhoras que se foram e nunca mais voltaram. Tereza não quer pagar para ver. Não sem antes realizar o sonho que lhe é mais caro: voar pelos céus. Num avião, ou mesmo num minúsculo monomotor.
O condutor pluvial irá mostrar os efeitos do rastro azulado. O rapaz que se arrisca tanto nos ares, quanto na banca de apostas, é quem a informará sobre a casa do Peixe Dourado, onde quanto maior o risco, maior poderá ser a recompensa – ou o prejuízo. Já a freira castelhana é quem irá lhe apresentar sua carta de salvação, a chance de comprar sua própria garantia de seguir dona do próprio nariz. São peças de uma jornada longa, árdua e que tanto cobra, quanto revela. Nada será simples. Se por certas passagens a impressão é de não ter mais para onde seguir, se um simples açaí pode representar seu maior perigo, e a inversão de valores entre pais e filhos é um risco a se correr, estará na história dessa mulher o anseio de cada minoria em se fazer ouvir, entender e lutar. A representatividade aqui se dá pelo etarismo, mas poderia ser racial, geográfica, sexual ou identitária. As causas são as mesmas, e a necessidade de proteção e entendimento igualmente válidas. Em O Último Azul, o exemplo de uma é a salvação de muitos. Seja ontem, hoje ou amanhã.
Filme visto durante o 53º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2025
PAPO DE CINEMA NO YOUTUBE
E que tal dar uma conferida no nosso canal? Assim, você não perde nenhuma discussão sobre novos filmes, clássicos, séries e festivais!


Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- O Agente Secreto - 13 de setembro de 2025
- Suçuarana - 11 de setembro de 2025
- Suçuarana :: Entrevista com Clarissa Campolina e Sérgio Borges (Exclusivo) - 10 de setembro de 2025
Deixe um comentário