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Sinopse

Em 1989, trabalhando na Universidade de Havana, um professor de literatura russa é obrigado a atuar como tradutor para crianças vítimas do desastre nuclear de Chernobyl quando são enviadas até Cuba para tratamento médico.

Crítica

Estabelecido completamente como professor universitário de literatura russa na Cuba dos anos 80, Malin (Rodrigo Santoro) é designado, repentinamente, para servir de tradutor num hospital local, na ala infantil, a das crianças atingidas pela catástrofe nuclear de Chernobil. Os diretores Rodrigo e Sebastián Barriuso, filhos da figura real que inspirou o filme, abordam a sujeição do protagonista aos ditames do governo Fidel Castro, uma vez que ele não desejava deixar a sala de aula e tampouco assumir uma atividade tão insalubre e desgastante emocionalmente. Especificamente no que tange às observações de cunho político-social, O Tradutor aponta à atividade humanitária cubana de custear o tratamento complicado dos afetados pelo incidente acontecido na União Soviética. A ilha do caribe é vista como um local de progresso, embora isolada economicamente pelo embargo norte-americano, próspera, sobretudo em virtude das relações de cooperação e troca com o bloco socialista que empreendeu a Guerra Fria com os ianques.

Todavia, aos poucos, Malin vai enxergando a importância da nova atividade. Na medida em que se aproxima das crianças, entende a imprescindibilidade de seu trabalho de esclarecimento. Sem ele, pais e pacientes teriam aumentados os seus desesperos já tão limítrofes. Esse percurso de conscientização é conduzido de maneira simples, porém funcional. Rodrigo Santoro expressa com habilidade as questões desse sujeito que não encontra equilíbrio mesmo extraindo satisfação das madrugadas passadas em claro no auxílio às vítimas inocentes da imprudência dos adultos. Seu lar é conturbado por essa mudança que traz, não apenas a alteração de turnos encarregada de complicar a convivência, mas também, a reboque, o afastamento das responsabilidades domésticas, inclusive as atreladas ao cuidado com o filho pequeno, demandante de atenção. A maior fragilidade do filme é justamente a turbulência íntima desenvolvida com desníveis evidentes, ora surgindo nas interações truncadas entre marido e esposa, ora sendo puramente mencionada.

No cotidiano hospitalar, contando com a ajuda, prática e emocional, da enfermeira Gladys (Maricel Álvarez), Malin encontra propósitos para seu conhecimento. Sobretudo por O Tradutor mirar histórias naturalmente tristes de crianças não resistindo a tumores e toda sorte de efeitos colaterais da exposição precoce à radiação, são forçados alguns momentos de reafirmação melodramática, como quando o protagonista sacrifica sua tese para prover alento a um menino que permanece isolado dos demais. As sucessivas demonstrações de insatisfação de Isona, a esposa vivida por Yoandra Suárez, são reiterativas, se apresentando como outra debilidade de um decurso relativamente bem-sucedido. Porém, o maior problema é a forma como os cineastas oferecem a resolução dos conflitos entre os personagens que representam seus pais verdadeiros. As ressalvas da mulher são apagadas da trama assim que ela toma contato com a magnanimidade da obra do marido.

O Tradutor, então, banaliza a compreensão, por torna-la efetivamente unilateral. Em momento nenhum Malin faz uma reflexão acerca de sua irresponsabilidade como pai e marido, sobrando a ciência, por parte de Isona, das dificuldades do cônjuge como elemento pacificador. Ele não chega, por exemplo, a se retratar das vezes em que considerou a função dela algo menor. Isso fica ainda mais estranho quando temos no horizonte que os cineastas são, de fato, filhos falando de seus pais. Portanto, eles glorificam os feitos do homem ensimesmado, sequer estudando o que o leva a fechar-se em copas, e não conferem equivalente espaço de reverência à mulher que segurou as pontas da família. A despeito disso, o longa-metragem captura com sensibilidade o novo dia a dia do professor que se afeiçoa a quem parece condenado ao sofrimento. No fim das contas, há um consequente elogio ao regime cubano, pois a designação imposta, não escolhida, se torna bem-vinda e bela.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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