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Sinopse

Vera Drake mora com o marido e os filhos já crescidos, Sid e Ethel. Eles não são ricos, mas formam uma família feliz e unida. Vera trabalha como faxineira, mas mantém uma atividade paralela que esconde do resto da família: sem aceitar pagamento, ajuda jovens mulheres a abortarem. Quando uma dessas garotas precisa seguir para o hospital, a polícia começa uma investigação que faz o mundo dela desabar.

Crítica

Quem imaginaria que por trás do sorridente rosto da sempre prestativa Vera Drake, mãe de família e competente profissional, senhora que cuida e mantém limpas as casas de diversas das mais conceituadas damas de Londres, se esconderia um terrível segredo. Algo tão forte e perturbador que era dissimulado, inclusive, no seu próprio interior. Terrível a ponto de ser ignorado tal dimensão, e a partir de então encarado como somente mais uma etapa da rotina. Vera praticava abortos, eliminando de modo bastante rústico os “incômodos” de jovens garotas, mães de família que não desejavam mais filhos ou moças abusadas pelos namorados. O motivo não importava. Ela estava ali, afinal, apenas para ajudar.

Ou ao menos era nisso que acreditava. E é nesse jogo de conceitos que se baseia o perturbador O Segredo de Vera Drake, um filme simples e, ao mesmo tempo, absolutamente comovente. Produção inglesa vencedora do BAFTA (o Oscar da Inglaterra) nas categorias de Direção, Atriz e Figurino, de um total de 11 indicações, compareceu também ao Oscar com três nominações nas categorias de Direção, Atriz e Roteiro Original – sim, pois por mais incrível que possa parecer, não se trata de uma adaptação de uma história real. É tudo fruto da criatividade de Mike Leigh, cineasta britânico que já nos presenteou com obras igualmente interessantes, como Segredos e Mentiras (1996) e Agora ou Nunca (2002).

Premiado no Festival de Veneza com o Leão de Ouro de Melhor Filme e como Melhor Atriz, O Segredo de Vera Drake tem na interpretação da até então desconhecida Imelda Staunton seu maior trunfo. Com um desempenho arrebatador, reconhecido ainda em premiações como nos Críticos de Vancouver, Toronto, Seattle, San Diego, Nova York, Los Angeles, Londres, Chicago, European Film Awards e Sociedade Nacional dos Críticos dos EUA, ela deixa de lado os papéis coadjuvantes em produções como Muito Barulho por Nada (1993), Razão e Sensibilidade (1995) e Shakespeare Apaixonado (1998) para assumir merecidamente o posto de protagonista, atendendo à altura toda e qualquer expectativa.

De olhos pequenos e gestos simples, Vera Drake quase passa despercebida na rotina do cotidiano. Ela ajuda vizinhos, se preocupa com o futuro dos filhos, e no final do dia tudo que almeja é o aconchego do marido para esquentá-la na cama antes de dormir. Seus objetivos não são ambiciosos, e nunca parece se preocupar com algo além de suas capacidades. E é por isso que faz tudo que está ao seu alcance. Inclusive ir ao auxílio de garotas necessitadas. Para ela aquilo não é um negócio – apesar de assim ser encarado pelos demais envolvidos, a despeito do seu conhecimento – e, sim, somente outra oportunidade de demonstrar companheirismo e solidariedade. Mas será esse sentimento de onipotência e orgulho que determinará seu fim. Afinal, antes de ser a solução de um problema, o que ela pratica é um crime. E, como diz o ditado, a lei tarda, mas não falha. Ao menos não neste caso.

Quando a justiça dos homens bate à sua porta e ela a recebe, já sabe o que está por vir. E a partir desse momento, seu mundo desaba, assim como o dos espectadores. Ao lado de uma direção segura e competente, que constrói junto com a audiência o cotidiano dessa mulher, com todas as suas mesmices e singularidades, estará nos ombros dela a tarefa de envolver o público no debate que se inicia. Ela merece este destino? Não sabemos, ou melhor, caberá a cada um seu próprio julgamento, pois ninguém do lado de lá da tela está disposto a emitir conceitos, e sim apenas revelar a cruel realidade dos fatos.

O Segredo de Vera Drake diz respeito a um universo muito maior e complexo. É pertinente no filme quando vemos se desenvolver paralelamente ao drama de Vera a trajetória da filha de uma de suas patroas que, submetida a problema similar, encontra uma solução rápida e pouco constrangedora nas mesmas mãos que irão se levantar para acusar a serviçal. Ou seja, na Inglaterra dos anos 1930 ou nos dias de hoje, dinheiro e os contatos certos sempre fizeram diferença, ainda mais quando instituições como a Igreja Católica estão envolvidas. Com doses certas de crítica e questionamentos relevantes à conduta moral dos cidadãos, esta é uma obra que instiga e faz pensar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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