Crítica

Um dos textos mais famosos e polêmicos de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray já ganhou mais de duas dezenas de adaptações para o cinema desde 1913. E certamente não será essa última, de 2009, que ficará registrada na história. Isso porque a versão do diretor Oliver Parker – que já havia trabalhado com outros textos do autor, com sucesso no deliciosamente cínico O Marido Ideal, de 1999, e com resultados irregulares em A Importância de Ser Fiel, em 2002 – é tão equivocado que pouco lembra a originalidade e a perspicácia tão característica do celebrado escritor. Muito pelo contrário, o que encontramos é algo tão desfigurado que nem como mera curiosidade merece registro.

A trama de O Retrato de Dorian Gray é de conhecimento público e notório: rapaz absurdamente lindo ganha uma pintura sua que, aos poucos, revela um dom muito especial – tudo o que acontece a ele, ao invés de se manifestar no seu corpo físico, acaba transparecendo na figura artística. Doenças, machucados, ferimentos e, principalmente, o passar dos anos, fica registrado apenas no quadro, e não na pessoa. Com isso, todo o senso de ética e moral se esvai. Quais os limites de alguém que pode tudo sem que nada lhe inflija mal? Como temer consequências, se elas simplesmente não existem? A velhice e a decadência ficam, desse modo, reservadas apenas para o retrato. Ao homem sobra o desejo de ser imortal. Ao menos até que essa ambição termine por sufocá-lo.

Um texto como esse, repleto de possíveis interpretações, contém críticas diversas e levanta uma infinidade de discussões e debates. O filme de Parker, no entanto, se contenta em explorar o óbvio, abusando do visual tétrico, como num filme B de terror. Outro problema é a escolha do protagonista. Para um papel que exige uma infinidade de nuances e níveis de discursos o escolhido foi um ator carente de qualquer tipo de profundidade. Ben Barnes (As Crônicas de Nárnia – O Príncipe Caspian, 2008) pode até ser um tipo interessante, mas está longe de ser o que Wilde imaginou – tanto pela beleza física, pois lhe falta malícia e masculinidade, como pela profundidade dos dilemas que o personagem enfrenta.

Na verdade, O Retrato de Dorian Gray só chega agora aos cinemas brasileiros devido à consagração de Colin Firth, vencedor do Oscar neste ano por O Discurso do Rei (2010). Firth aparece como Lord Wotton, o homem que faz despertar em Gray o desejo e a luxúria. É um coadjuvante, com relativa importância no segundo e no terceiro ato da trama. Mas como o nome dele está em alta, até esse filme constrangedor, de dois anos atrás, ganhou uma chance na tela grande entre nós. Não que isso signifique alguma coisa, pois apesar de tudo que promete – sexo, magia, sedução, voyerismo – nada cumpre. Deixando, por fim, apenas a insatisfação de vermos mais um clássico da literatura ser maltratado vergonhosamente.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *