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Sinopse

O diretor Elia Suleiman estrela essa saga cômica que investiga os significados do exílio e da busca intermitente por um lar. Palestino, ele deixa seu país em busca de uma nova vida. De qualquer forma, em todo canto do mundo, a Palestina parece segui-lo, especialmente porque sempre há algo que o faz lembrar de casa.

Crítica

O homem observa. E, ao mesmo tempo em que exercita seu olhar, não mais se vê capaz de permanecer inerte em relação ao que se passa ao seu redor. É assim que passa a se comportar – pela reação, a qual foi levado de modo compulsório – o protagonista de O Paraíso Deve Ser Aqui, longa escrito e dirigido por Elia Suleiman. O cineasta palestino transfere para a tela, através de uma série de pequenas histórias – ou seriam somente fragmentos dispersos de um mesmo sentimento? – aquilo que se passa no seu âmago e dentro de todos aqueles que, da mesma forma, também se sentem isolados em um mundo cada vez mais globalizado. A Palestina, como bem se sabe, há muito luta por um lugar que possa chamar de seu, ainda que esse seja identificado desde o início dos tempos. Assim, sem chão e tendo apenas o céu como teto sobre sua cabeça, o personagem se torna um errante. Afinal, aquele que casa não tem, pode chamar qualquer lugar de seu. Basta dar o primeiro passo. E é justamente essa a decisão tão precisa, ainda que perigosa, que somos convidados a presenciar, na condição de privilegiados espectadores.

Qualquer desavisado na audiência que não se submeter ao processo de imersão que O Paraíso Deve Ser Aqui exige poderá considerar, apressadamente, que se trata de um filme sem história. E quem assim o fizer, não poderá estar mais enganado. No entanto, ao invés de optar por uma narrativa linear, o que o diretor e roteirista prefere é conduzir sua plateia por uma sequência de imagens compostas que terminam por gerar não somente impressões, mas também reflexos e identidades. Será através dos sentimentos emulados por tais cenários que irá se formar o ideal almejado durante o trajeto deste homem – o próprio Suleiman – que, da sacada de sua casa, observa o vizinho roubar limões no terreno ao lado, da mesma forma como se depara com o astro Gael Garcia Bernal em uma interação tão surreal quanto pacífica. Esse encontro, reservado para os instantes finais dessa caminhada, pode dar a entender que o cineasta está a interpretar a si mesmo. Pois é exatamente isso, ou absolutamente o oposto. Ou seja, é ele, ainda que em uma nova e inédita versão.

E assim se dá pois nenhum ser humano permanece igual o tempo todo, por mais que insista. A cada instante que passa, as transformações vão se acumulando. Dos religiosos fervorosos que subvertem suas lógicas internas diante do menor dos obstáculos ao impacto do estrangeiro que se atreve a acusá-lo de não ser você mesmo o suficiente, há muito a ser refletido a respeito. Suleiman, no entanto, não está em cena para entregar respostas prontas e conclusões óbvias. Afinal, nem ele mesmo as tem. O que busca é construí-las em conjunto. Seu interesse está em compartilhar esse incômodo, buscando a troca e, durante o processo, talvez encontrar algo que nem mesmo imaginasse quando tudo começou. É por isso que seu espanto soa tão natural. Diante do absurdo, nem mesmo um anjo em pleno Central Park pode ser considerado inadequado. O importante, no final das contas, é manter os olhos abertos, ainda mais quando as palavras não mais lhe ocorrem.

O cerceamento do cidadão que se vê desprovido de um lugar que lhe ofereça paz de espírito e conforto na alma é resultado de uma realidade na qual as distâncias estão cada vez menores. E se não há mais diferença entre o lá e o cá, o ontem se torna responsável por uma nostalgia quase melancólica, enquanto que o amanhã reserva uma incógnita que pouca curiosidade desperta. Pois, se até aqui aquilo que prometia tanto pouco conseguiu cumprir, quem ainda espera que as coisas possam, de fato, melhorar? Sozinho ou acompanhado, esse homem sai da sua casa e atravessa o mundo buscando por um diálogo. Dos flertes nada gratuitos pelas ruas de Paris ao simples presenciar do ir e vir da beduína do interior, ele se vê diante do inacreditável e também do mais corriqueiro. Não será surpresa, portanto, quando se percebe que a melhor das suas relações se dará com um pássaro decidido a se intrometer na escrita do outro. Afinal, é o inesperado que mais tem a oferecer.

Com uma postura quase chapliniana frente ao exterior, em que a resignação tem papel tão fundamental quanto o embate silencioso daqueles que não desistem, Elia Suleiman faz de O Paraíso Deve Ser Aqui não uma dúvida, mas, ao invés disso, uma afirmação. E se mesmo diante tantas barbáries, quando o surreal vem para ficar e ocupar os espaços antes destinados à lógica e à razão, não seria melhor simplesmente relaxar e aproveitar o tempo que nos é destinado? Afinal, se estamos todos em um avião passando por um período de turbulência, o que mais se pode fazer além de apertar os cintos e esperar pelo melhor? É chegado o momento da celebração, de levantar os braços e deixar que a música conduza as emoções. Quanto a todo o resto, bom, essa é uma preocupação para outro momento.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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