Crítica


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Sinopse

Na última década, várias democracias ao redor do globo foram marcadas por protestos de rua que tiveram em comum a insatisfação com a política tradicional. Todos esses governos caíram, seja à força ou pela via eleitoral. Ainda assim, a crise continua viva e produzindo resultados que deixam o mundo inteiro perplexo.

Crítica

A justaposição de diversas manifestações populares ao redor do mundo, pilar da sequência que abre O Paradoxo da Democracia, deixa clara a vontade do cineasta Belisário Franca de deflagrar padrões em movimentos que parecem autônomos e restritos à sua localidade. Diferentemente do que poderíamos imaginar – isto quanto mais presos às bolhas construídas virtualmente ao nosso redor –, existem modelos que apontam a um estado das coisas influenciado pelos grupos que, por exemplo, atuam na disseminada insatisfação com a política tradicional. Lançando mão de vídeos de vários cinegrafistas, profissionais e amadores, o realizador promove uma eficiente costura, muitas vezes resvalando perigosamente no meramente didático, a fim de dar conta de processos que unificam intestinamente sociedades concomitantemente assoladas por projetos autoritários, geralmente nutridos por nacionalismos exacerbados e pelo cultivo de expedientes agressivos.

O Paradoxo da Democracia, portanto, apresenta essas realidades balizadas por crises amplificadas/questionadas pelos levantes urbanos em que os querelantes embatidos com brigadas oficiais de repressão estatal. Com o intuito de tentar entender tais circunstâncias para além da imediata retórica das imagens, o cineasta utiliza os depoimentos de intelectuais e atores políticos, entrecruzando suas perspectivas mais como princípio esclarecedor/agregador do que visando choques conceituais. Assim, restritos imageticamente a uma pequena janela, os depoentes discorrem sobre suas visões desse mundo convulsionando, questionando a novidade das famigeradas fake news e, entre demais observações, colocando os fenômenos sob os prismas da filosofia, da sociologia, das ciências políticas, e de tantas áreas do conhecimento, então acessadas na edificação de um painel amplo e palatável, simples de ser compreendido.

Todavia, a despeito da clareza da explanação marcada pela complementariedade das fontes heterogêneas, O Paradoxo da Democracia é aferrado a um esquema narrativo. Quase não há variações dentro do arcabouço por meio do qual são apresentados os flagrantes provenientes de fontes previamente consultadas e os subsequentes comentários que tratam de enquadra-los numa seara pedagógica. Ao invés de investir na erupção de dados e leituras para permitir ao leitor uma posição ativa na construção desse conhecimento organizado em blocos temáticos, Belisário prefere um formato consagrado efetivamente ao jornalismo. O resultado é um filme bem mais demonstrativo (papel desempenhado com excelência) do que necessariamente propositivo. A mencionada restrição dos entrevistados a um enquadramento pretensamente asfixiante não tem efeitos duradouros, pouco sobressaindo positivamente dentro do projeto estético do documentário.

Todavia, mesmo refém desse trajeto excessivamente estático, sem variações suficientes que poderiam oxigenar a experiência bastante semelhante a uma similar em sala de aula, O Paradoxo da Democracia traz dados vitais ao entendimento de certos procedimentos caros à extrema direita, tais como a disseminação de desinformação para insuflar os grupos aderentes a discursos de ódio e a outras barbaridades. Belisário Franca demonstra faro para o encadeamento produtivo de dados que, cerzidos como numa corrente consistente, elo a elo, oferecem um panorama claro da situação global em que as democracias têm seus preceitos constantemente subjugados pelas noções estranguladoras do capitalismo. Apesar dessa vocação jornalística limitadora, que torna a fruição integralmente subordinada ao prévio interesse do espectador pela pauta – algo aparentemente óbvio, mas não, pois há vários congêneres cujos predicados cinematográficos os fazem transcender a imediata curiosidade quanto ao tema – é bem-vinda essa reflexão que nos leva a olhar a atualidade com menos ingenuidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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