Crítica

O thriller O Pagamento, quando chegou aos cinemas, vinha precedido por grandes expectativas: além de se tratar de mais uma adaptação de um conto de Philip K. Dick, o mesmo autor que serviu de inspiração para Blade Runner: O Caçador de Andróides (1982), essa aventura de ficção científica deveria também ter funcionado como um alívio para as carreiras do diretor John Woo e do ator Ben Affleck. Woo vinha do fracassado Códigos de Guerra (2002), enquanto que Affleck contava, como último trabalho, sua participação no constrangedor Contato de Risco (2003), ao lado da ex-namorada Jennifer Lopez. Estas esperanças, no entanto, foram em vão: os resultados apresentados foram, no mínimo, frustrantes, a ponto de praticamente dar por encerrada a carreira do cineasta chinês em Hollywood.

Artisticamente falando, esse trabalho não é nada original – apesar de toda a tecnologia e o aparato futurista apresentado como embalagem, não passa de uma trama ordinária de gato-e-rato. Até diverte enquanto escapismo rápido e inconseqüente, mas não chega a corresponder a nenhuma de suas ambições mais elevadas (ao contrário do contemporâneo Minority Report: A Nova Lei, 2002, também baseado na obra do mesmo autor e que até levantava algumas questões pertinentes). Já em relação aos números, por outro lado, o embaraço foi igualmente decepcionante: mesmo tendo custado relativamente barato para uma produção desse tipo (cerca de US$ 60 milhões), não arrecadou nas bilheterias norte-americanas muito mais do que US$ 50 milhões, terminando sua carreira nas telas ainda no débito e só conseguindo fechar as contas com a ajuda do mercado internacional.

Se optarmos por deixar de lado todos esses dados, entretanto, O Pagamento até pode ser encarado como uma diversão relativamente eficiente. O personagem de Affleck é Michael Jennings, um engenheiro que, contratado para um serviço ultra-secreto, concorda em ter sua memória apagada ao término desse (após um prazo de 3 anos) em troca de um pagamento de quase 100 milhões de dólares. Acontece que quando chega a hora dele receber sua grana, nada dá certo e ele passa a ser vítima de uma perseguição que deseja assassiná-lo. Os únicos que podem ajudá-lo são sua nova esposa (que ele não consegue se lembrar), vivida por Uma Thurman, o melhor amigo (Paul Giamatti) e ele próprio. Explica-se: o projeto em que estava envolvido era sobre a possibilidade de prever o futuro e, como havia previsto tudo o que aconteceria após o seu desligamento, enviou a si mesmo pelo correio uma série de 20 itens que o ajudariam a se livrar de eventuais enrascadas subseqüentes.

As utilidades de cada um desses objetos – que acabam se revelando importantes nos momentos mais absurdos possíveis – e o ritmo intenso proposto pelo diretor são o que melhor se aproveita em O Pagamento. Isto depois do desempenho de Thurman, uma atriz geralmente subestimada que aqui se mostra impagável em cada cena e responsável pelas melhores tiradas da trama. Ben revela-se mais uma vez dedicado ao que lhe exigem, porém sem muito o que fazer, e Woo repete todos os maneirismos que o tornaram conhecido – para melhor e para pior. Seus exageros estão todos lá, assim como os acertos. Quanto à satisfação do espectador, ficará a critério de cada um na audiência julgar se esse repeteco agitado e bem-humorado vale ou não o esforço dos envolvidos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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